quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

DESTAQUE EM CONTO NO TRIGÉSIMO OITAVO CONCURSO DA ALPAS

HOMENAGEM À QUERIDA REJANE BONADIMANN



O CASAMENTO QUE NÃO EXISTIU

Foram dez anos de namoro, entre idas e voltas, brigas e juras de amor eterno. Eram dois pombinhos apaixonados, se beijando de olhinhos fechados, carícias para tudo quanto é lado. Eu os adorava. E no dia do casamento deles, era a mais alegre mãe no altar. Ria das macaquices da dama de honra. Não parava um segundo sequer de mexer-se. Agonia total. Não era à toa que aquela menininha havia se lançado para fora da janela da perua, aos nove meses de idade, enquanto seu pai dirigia, atentamente, sem correr, sem tirar os olhos da rodovia escura, durante uma noite fria em que voltavam para casa. Mas isto é uma outra história que fica para outro conto. O pajem, cópia fiel do meu filho quando criança, já estava até com uma parte da camisa para fora e outra para dentro da roupa cara. Eram as figurinhas mais arteiras e divertidas daquela cerimônia travessa, cujo padre, mais parecia um moto boy, pego às pressas numa esquina qualquer. Errava o Português culto, que a ocasião requer, o tempo todo. Estava tão feliz que sequer o percebia.

Depois de assinados todos os documentos de cartório, porque as cerimônias foram concomitantes, numa linda capela do Alfaville, entrecortadas por árvores belíssimas, paz e flores naturais embelezando o local, lá foi o casal, ainda emocionado para as fotos de praxe. Lindas! O álbum ficou uma raridade. Ali documentou-se todos os momentos de emoção. Desde a entrada triunfante da noiva, uma princesa em noite de gala, vestida de um lindo cor de palha, cravejado de pedras em brilho. Uma menininha tímida que mal se sabia naquele véu de noiva que a ornamentava. Meu filho tremia no altar, à espera da tão sonhada melodia do amor. Anos após, numa ida à Aparecida do Norte, descobrimos que até promessa fizera para casar-se com aquela flor.

Cerimônia finda, família todinha reunida, aplaudindo, testemunhando, assinando e documentando realmente as juras de amor eterno, que ambos faziam para sempre, nós nos encaminhamos para o salão de festas. Ali já estavam os pais de minha nora, recepcionando os convidados quando cheguei. O evento transcorreu às mil maravilhas até a chegada da torcida corinthiana. Amigos do noivo que tomaram conta do salão. Ao contrário do que todos temiam, até que se comportaram muitíssimo bem. Afinal, tudo o que meu filho fazia, sempre tinha um ponto negativo. Nem eu, sua defensora perpétua, acreditava que estava tudo tão certinho. Todos reclamam de mil problemas quando há uma cerimônia assim. No nosso caso, a festa foi maravilhosa. Alegre como eu estava. Feliz como só eu poderia me encontrar. Queria mais do que nunca a felicidade do meu filho e a sabia estar ocorrendo naqueles instantes únicos.

Muitos convidados trouxeram presentes e os levaram ao salão de festas, por conta da ausência de tempo costumeira dos habitantes desta louca cidade de São Paulo. Na saída, enchemos dois carros: o nosso e o da irmã da minha nora. Carregamos tudo para o apartamento deles. E, é claro, o casal a tiracolo... Só que ele foi comigo e ela, com a irmã. Logo de cara, a separação! Sem querer, sem perceber, estávamos eu, a irmã e o cunhado, invadindo a privacidade da noite de núpcias dos noivos. Primos haviam dado um presente numa caixa fechada, pesada demais, com um tic tac estranho. Ficamos curiosos e resolvemos abrir somente aquele presente. E o fizemos. Não era a bomba do Bin Laden, que rindo apelidamos. Apenas um simples relógio de parede, em pedra talhada, um enfeite especial. A esta altura, duas horas da manhã, a noiva já estava sem véu, sem sapatos e louquinha para tirar o vestido. Meu filho não conseguia abrir os botões (quarenta e dois, por sinal). Ela pediu ajuda à irmã, que pediu ao marido, que pediu a mim. E eu consegui! Metade dos botões abertos quando me dei conta de que eu, a sogra, estava sendo “SOGRA”? Não, nem nos piores pesadelos da coitadinha da noiva, poderia haver uma sogra em sua noite de núpcias. Fechei tudo rapidamente e fomos embora, praticamente correndo! Não sem antes dar a meu filho alguns documentos a mim entregues pelo rapaz do Cartório, que deveriam ser levados para um local exato, em tempo hábil, conforme legislam as leis em vigor. Lembro perfeitamente que meu filho os colocou no bolso do paletó da roupa do casamento.

Dia seguinte soube que perderam um tempão com aqueles botões e que dormiram intenso e profundamente até nós os acordarmos com um telefonema na madrugada, avisando que iríamos levá-los ao aeroporto para a viagem a Natal, que já estava devidamente paga e programada. A despedida foi emocionante demais.

Dez dias depois, casal de volta, queimados pelo delicioso Sol do Nordeste, sorrisos lindos nos lábios, felizes como nunca! E mais uma vez, família reunida para recepcioná-los e trocarem de lugar para todos terem chance de ver as fotografias da viagem, o vídeo do casamento e o álbum, com fotos, uma mais bonita do que a outra, documentando o casamento que não ocorreu! Como? Que história é esta? Simples assim: havia um prazo para entrega dos documentos, que foi excedido. Além disso, cadê os documentos? Desapareceram dentro da roupa lavada, entregues pela irmã à loja de aluguel. Resultado: Tiveram que esperar dois meses, para as tramitações costumeiras e irem ao Cartório e realmente se casar, como manda a lei. Nossa Senhora Aparecida teve que ser homenageada por meu filho, duplamente. Que amor lindo dele por minha nora. Casou-se e casou-se. Só que teve que aguentar e ainda aguenta as brincadeiras da família, que jamais entende as datas do álbum, dos convites, com a inexatidão dos documentos oficiais.

Pior foi o sogro perdoar que o genro lhe passou a perna, levando sua filha para o leito nupcial sem casar!

Liz Rabello

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