quinta-feira, 30 de janeiro de 2014


ESCURO

 Pessoas ausentes
Vêm e vão
Transcendem
Nossa existência
Permanecem do
Outro lado do muro...

Por mais que busquemos
Brilham distantes
Faíscam sorrisos
Vagalumes eternos
Na noturna escuridão...
Fuga fugidia na neblina!

Há sempre uma ponte
Possibilidade de laços
União entre pedras
Ondas a revoltar
Buracos do infinito!
Acredito no escuro!

HÁ SEMPRE UMA PONTE ONDE É POSSÍVEL CRIAR LAÇOS DE UNIÃO ENTRE PEDRAS, BURACOS QUE NOS TRANSCENDEM PARA O INFINITO. ASSIM É COM PESSOAS AUSENTES, QUE SE MANIFESTAM EM NOSSA EXISTÊNCIA, PARA PERMANECEREM DO OUTRO LADO DO MURO... POR MAIS QUE BUSQUEMOS A UNIÃO, MAIS DISTANTES ESTÃO! SÓ QUE EU ACREDITO NO ESCURO!

Liz Rabell
o

UM LUGAR ONDE O TEMPO PAROU 


Pinheiros verdes 
Farto matagal 
Túnel de espinhos 
Folhas secas 
Janela aberta 
Cadeado estilhaçado 
Mel de abelhas 
proteção! 
Roupas no varal 
A balançar 
A chorar 
Saudades 
Teias multifacetadas 
Fios de sonhos 
Tecidos perdidos 
No tempo do jamais 
A morte chegou 
O relógio parou! 

Liz Rabello



Era uma enorme área coberta por um farto matagal. Cercada de grandes pinheiros, que na época chegavam a quatro metros de altura. Quando caminhávamos pelo condomínio, parávamos curiosos em frente ao grande portão de madeira talhada, a olhar pelas frestas, em busca de um sinal de vida. Difícil falar do abandono. 


Percebíamos pelas plantas crescidas em meio às ardósias que há muito tempo ninguém ali pisava. Certa vez tio Digo e seu amigo foram barrados pelo vigia do lugar: “O que querem aí nesta propriedade?” A resposta veio certeira: “Apenas curiosidade!”. Após as devidas identificações, souberam que aquela área abandonada era alvo de pessoas que queriam tomar posse, já que supostos proprietários não a defendiam. Souberam que a dona, uma senhora idosa, ali morrera, sozinha, dezoito anos antes daquela data. 


Uma tarde, de volta ao lugar, de posse de um celular, os dois ali entraram e constataram cenas de terror, dignas de um filme de casa assombrada. Teias de aranha em todos os vidros!


Uma moradia que perpassava o tempo, muito bem construída, sem rachaduras, sem infiltrações de água, envidraçada por toda a varanda e nelas, enormes teias de aranhas, cujo habitat, lhes era tão natural, seu único espaço desde sempre.


Houve necessidade de se agachar e passar por um túnel de espinhos de primaveras em flor, para chegar do outro lado da casa.


 Lá encontraram outro jardim de inverno, com cadeiras em ferro trabalhado, lindas! Folhas secas ao chão e, novamente, teias multifacetadas de fios a tecer cantos de sonhos perdidos no tempo do jamais.


Na lavanderia, roupas ainda estendidas no varal, demonstravam que aquela senhorinha não pretendia deixar de viver. 


O mais impressionante era a cozinha. Uma mesa de madeira, quatro cadeiras arrumadinhas, toalha de renda e vaso com flores, pratos a secar sobre a pia, prontos para o próximo uso, que nunca vingou! 


Do outro lado da casa, uma janela arrombada, cadeado estilhaçado, vidros semi abertos, uma cama de casal vista através das manchas escuras e sujas dos vidros da janela. Nada mais foi possível fotografar porque abelhas faziam colméias e afugentavam sem dó qualquer ser humano que dali se aproximasse. Mel a proteger o sonho!


Quando disse à vovó que queria ir até lá com meu tio ver de perto aquele lugar assombrado, ela não titubeou: “Não, não quero que vá, que te arrisques a ferroadas de abelhas, nem a picadas de cobras, nem que fiques enlaçado a uma teia de aranha... Só quero que me prometas que após a minha morte jamais deixarás nossa chácara assim!” 

Agora me vinham à mente palavras, envoltas em teias tecidas pelas lembranças e eu me emaranhava nos sonhos dela e só desejava parar o tempo, volver as horas e fazer-lhe a vontade: Cuidar do nosso cantinho de amor! 

(Liz Rabello- In “CÓDIGO AGV”, AMOR SEM FIM, Editora Beco dos Poetas, 2012)