quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Esta poesia tem um significado especial pra mim. Meu tio, um sapateiro, autodidata, me iniciou no caminho dos grandes escritores. Por suas mãos li Machado, Jorge Amado, Victor Hugo, Eça de Queiroz, Guilherme de Almeida, Graciliano Ramos. Não foi na escola, mas numa caixa de sapato que pude segurar um livro: A Moreninha, Capitães de Areia, Guerra e Paz, Os Miseráveis (eram livros grossos, que demorava muito a ler), outros eu lia devagarinho pra não acabar. Olavo Bilac li, reli e amei. Meu tio declamava para mim este poema, sussurrando em meu ouvido palavras poéticas. Foi sua última mensagem pra mim, em seu leito, antes de partir para as estrelas. 

Liz Rabello

Via Láctea

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas".

 Olavo Bilac