segunda-feira, 23 de dezembro de 2013


Caneta Pilot sobre transparência em fotografia (Liz Rabello, 2009)

PACTO COM DEUS... ETERNIDADE!

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecília Meireles

Minha mãe sempre teve muito amor pela vida. Fazia pactos com Deus de viver mais dez anos, mais dois anos, mais dois meses... E assim, se sucediam os segundos, os minutos, as horas. Passou por muitos momentos críticos por conta de sua doença hereditária: trombose. Mais de vinte anos em tratamento com um especialista, um médico querido, que ocupa até hoje em nossas vidas, um lugar especial. Quando completou oitenta anos, em sua festa de aniversário declarou que reinaugurara um novo pacto e que viveria por mais dez anos, com alegria e otimismo.

Minha irmã morava pertinho dela. Ainda não completara sessenta e gozava de perfeita saúde. No entanto, nos últimos tempos, os revezes financeiros a deixaram stressada e em profunda depressão. Brigava constantemente com minha mãe, a quem eu defendia com unhas e dentes. Fico muito triste cada vez que me lembro que nunca lhe dei atenção como adoraria fazê-lo agora. Só ouvir! Só ouvir!

Certa madrugada acordei aflita, de um aviso prévio, porque vi as duas, num pesadelo mais do que real em discussão muito agitada. Minha irmã saiu da sala da casa de mamãe batendo a porta, com muita força e agressividade. Ouvi as palavras magoadas: “Vês como ela me trata?” Respondi, antes de acordar atônita e agoniada: “Mãe, tenha paciência com ela, pois vai morrer antes de você!” Quinze dias depois minha irmã foi morar com as estrelas. Paradoxo da vida: Trombo embolia pulmonar! Cuidávamos as duas de nossa mãe e nunca fizemos nada por minha amada irmã.

Já se passaram seis anos e jamais consegui escrever sobre isto, tão grande é o sofrimento, cujas centelhas se acendem. Após um ano e meio, também minha mãe abandonou a vida. E as duas me deixaram. Deus me deu apenas quinze dias para eu me acostumar com o sofrimento que até hoje não aguento.

Liz Rabello

QUERO

Atritos de reflexão
Incêndio de vaidades
Chamas ardendo mentiras 
Cinzas ao vento
Levando falsidades!

QUERO

Tempestades de ventos
E raios e trovões e furacões
Rodopiando e carregando
Inúteis ilusões e desejos
de mudar opiniões!
QUERO

A calmaria, a tranquilidade
A brisa suave do entardecer
Após a tormenta do endoidecer
A solidão do meu encontro
A paz do meu eu interior!

(In Antologia ENCONTRO COM A POESIA, de Liz Rabello, Editora Beco dos Poetas, 2013)

RAIOS DE LUZ 

Que venham ecos de montanha 
Raios de luz nas manhãs geladas 
Puros reflexos na água parada 
Encantos das auroras reiniciadas! 

Que venham azuis dos mares 
Transparentes e límpidos olhares 
Que nada é perdido no tempo 
Ventos uivantes nos penhascos! 

Que venham novas memórias 
Mandando embora ares poluídos d'outrora 
Tempestades riscadas por outros encontros 
Relíquias esquecidas de folhas viradas! 

Liz Rabello


COMO ÁGUA E ÓLEO

Eu sou água transparente
Leve solta corro morros
Deslizo pedras
Rolo ribanceiras
Vertigens nas alturas
Lindas cachoeiras

Você é óleo
Dedos toques suaves
Na pele nos lábios
Falo!
Vertigens no chão
Voos nas estrelas

Como água e óleo
Pelas bordas você fica
Não te alcanço
Não te encontro
Teu mel se dilui
Em minhas águas
Teu fel me fere
Coração sangra
A noite termina
Manhã deserta inicia

Liz Rabello

"Tu me escapas...
Como gotas de água misturadas
ao turbilhão da torrente de cachoeiras...
Como os flocos de neve se derretem nos campos,
no doce gemido da aurora!
Como o sol da manhã,
refletindo luzes na limpidez das águas dos lagos...
Tu me escapas...
No relógio do tempo...
Na batida da hora...
No pêndulo das horas solitárias...
No túnel da vida!”

 E foi no túnel da vida que eu a perdi. Numa manhã triste como outra qualquer, corri para o Laboratório de Artes, a cadeira vazia e um recado, escrito no meu trabalho:
“Tu te escapas e eu me deixo partir”
Saiu de minha vida para sempre, sem jamais dizer adeus, sem nunca me confessar se gostava ou não dos sonhos meus."

(In INTERVALOS, de Liz Rabello, conto TU ME ESCAPAS, Editora Beco dos Poetas, 2013)