sexta-feira, 25 de setembro de 2015



ARMADILHAS DO DESTINO

”Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e o mais Ele fará.” (Salmo 37)

O adolescente estava saindo da loja. Deu um abraço forte e beijou a mãe no rosto. Depois foi embora com o pai e eu já sabia que aquele homem era o marido da dona da loja.
         Retomamos o papo de onde havíamos parado. Eu contava sobre minha saúde e de como me cuidava para não engordar demais. Minha amiga já estava com quilos a mais e me afirmou com muita naturalidade que não se importava com isto, pois os remédios que tomara é que eram responsáveis pelo excesso de peso. Conversa vai, conversa vem e eis que me fala para qual motivo era aquele “tratamento”. Não conseguia engravidar. Os últimos resultados dos exames já diziam que nenhum medicamento reverteria aquela situação. Percebi no olhar dela uma mágica alegria ao ver os dois,  pai e filho abraçados, partindo para uma pelada de futebol no campinho mais próximo. Não consegui segurar minha curiosidade e detonei: como assim, não podem ter filhos? E aquele jovem, tão simpático, quanto lindo, quanto carinhoso, foi adotado? Os olhos dela se encheram de lágrimas e reavivando a dor, a memória se soltou.
AMOR
TECE
DOR
A (AUSÊNCIA DE) MORTE
AMORTECE (DOR)
AMORTECEDOR

O mecânico já havia avisado que os amortecedores não estavam bons. Precisavam ser trocados. Pneus carecas. “Este carro não tem condições de viajar”. Insistiram. Afinal Jundiaí é muito próximo da capital. Domingo. Pouco trânsito. Dito e feito.
A irmã de minha amiga chegou com o marido e o bebê de meses. Almoçou. Naquela semana havia desmamado a criança. Ele já estava tomando sopinha, mamadeiras de leite ninho, que foram cuidadosamente feitas pela mamãe feliz e prestimosa. Embora jovem, com apenas dezesseis anos, minha amiga curtia cada frase de ensinamento que a irmã mais velha casada e tranquila lhe passava. Riram muito e brincaram demais com o menino alegre, que quase não chorava, só sorria, bebendo em cada olhar os encantos da mamãe. O pai também participava de tudo com muito prazer. De longe era possível sentir a felicidade de todos. E como se possível fosse segurar o tempo, dele faziam proveito com a ternura de quem não quer que acabe nunca!
 A noite chegou tristonha, com garoa fina, asfalto gelado e escorregadio. A temperatura caiu de repente, consideravelmente. Até cobertores colocaram dentro do carro para aquecer o bebê.  Um tempão para arrumar tudo. Na despedida, beijos foram trocados, os avós à porta emocionados acenavam na partida. O carro se foi. Nem bem chegou à esquina, deu meia volta. O que será que esqueceram? Nada... Apenas a irmã mais velha, retira do carro sua maior preciosidade e deposita o bebê no colo de minha amiga e lhe diz convicta: “Cuide dele para mim, amanhã virei buscá-lo, está frio demais para esta viagem”.
Partiram tão depressa quanto jamais  voltaram. O bebê em despedida chorou de leve e como um presente de Deus permaneceu nos braços de minha amiga para sempre.


Liz Rabello