SEMPRE MOREI COM AS ESTRELAS
Nunca me conformei com as cores “certinhas”. Árvores tortas,
galhos retorcidos, folhas multicoloridas, murchas pelo chão, como se sempre
fosse outono em meus desenhos de paisagens infantis. Meu pai dizia: “Não é
assim que se pinta, onde se viu folhas cor de laranja, vermelhas, azuis? Azul é água, é
céu!” Um dia, descobri uma foto de outono no Canadá, e a mostrei triunfante!
Minha criatividade não parava aí. Se queria mar, eu o desenhava revolto, ondas
em rebelião! Se queria barco, eu o modelava em dobradura de papel jornal, e o
soltava na enxurrada. Após a chuva, sempre me molhava, cabelos escorridos,
roupa no corpo colada. Era feliz, naquela infância sem brinquedos! Pela manhã,
trabalhava. Ajudava minha mãe a fazer caixinhas de presentes. Passava cola nas
fitas e enfaixava uma por uma, para enfeitá-las! Mais do que um trabalho, era
Arte! Matemática! Ao fim de três horas, quantas fiz? E eu contava! Almoço,
quatro horas de escola. Adorava lições, professores, amiguinhos. Voltava pras
caixinhas. O dia era curto demais para que eu pudesse deixar de ser feliz. Fim
de tarde, sentada na varanda, olhos baixos, pensativa, sentindo frio, sozinha.
Sempre gostei de solidão! Olhava o sol que se escondia, primeiras estrelas que
luziam, o incansável trabalho das formigas, que nem a luz do luar entristecia.
Após o jantar, os livros! Como gostava de ler! Mil vezes a mesma aventura!
Livros roubados às prateleiras dos quartos dos meus primos. Lidos às pressas,
pois precisava devolvê-los! Mas os pegava de volta, sempre que podia! Nunca
tive nada meu! Jamais isto me fez deixar de ler! E fui feliz! Ia dormir com os
raios de luar a furar o telhado ralinho, onde gotículas de água chovia durante
as noites de mau tempo! Abraçava o Nero, meu cachorro vira-lata, tão querido!
Por toda minha existência me alertavam: Você é muito inteligente, mas o que a domina é o lado das paixões! Seja mais racional, nada de emoções. Mas eu seguia retrucando, pensando muito mais do que agindo, criando mais do que vivendo! Todos me aconselhavam: Pés no chão, menina! Só se esqueceram de perceber, que de nada adiantava me dizer, pois eu já morava nas estrelas!
Liz Rabello