SOMBRAS
Mistério no reflexo das águas
Sol, brilho, luz que reluz!
Sombras se cruzam com mágoas
Dilaceram e desfazem em lágrimas!
Galhos retorcidos em quimeras
Imagens, mosaicos sem encaixes
Árvores que se chocam no universo
Céu azul, anil, verde musgo a tecer
Esperanças
Liz Rabello
ESPANTALHOS DO PASSADO
Durante toda minha vida, minha mãe era contra minha
participação em greves. Ficava nervosa demais e brigava comigo o tempo todo.
Minhas memórias apenas me mostravam um olho roxo de papai, marcas de
espancamento no corpo e quatro dias fora de casa. Sim, fora preso, como líder
de seu grupo. Greve! Esta palavra tão difícil de ser pronunciada em tempos de
construção do operário, desta classe social oprimida pelo sistema. Mil
novecentos e cinquenta e três! As lutas operárias se intensificavam em todo o
Brasil. Além de ser preso, foi mandado embora do trabalho, carteira
"suja"... Era esta a palavra. Nunca mais conseguiu emprego. Na parede
da cozinha havia um buraco, onde papai muito doente, (Fibrose pulmonar,
adquirida pelo pó de madeira da fábrica, que não tinha sistema de anti
poluição), deixava a cabeça a flutuar num desejo de pôr na mesa da cozinha um
pouco mais do que chuchu, colhidos do fundo do quintal.
Liz Rabello
INJUSTIÇA!
Segunda-Feira. Minha irmã saiu para o trabalho. Era recepcionista
de uma empresa. Beijou-o na testa, como sempre fazia. Ele lhe disse baixinho:
“Não chegue tarde, é aniversário de sua mãe! Vamos fazer-lhe uma surpresa!” E
realmente a fez! Acordei com os gritos de mamãe no quarto. Ele deu os últimos
suspiros desejando a ela um “Feliz Aniversário!” Meu pai era um homem sereno,
amoroso, orgulhoso de mim. Com ele, eu me sentia amada! Protegida! E quando ele
se foi desta vida para sempre, toquei o chão, sem alcançar estrelas... Ficara doente sete anos antes deste sete de fevereiro.
Marceneiro de mão cheia talhava madeira de próprio punho. Era um artista. Fazia
móveis lindos! Ganhava muito bem. Tínhamos uma casa boa e bem mobiliada:
geladeira, fogão a gás! Adorávamos o dia do pagamento dele, pois nos trazia
potes de azeitonas, queijo prata, goiabada. Era festa em casa! Mas, (sempre tem
um “mas”) a fábrica não tinha equipamentos de antipoluição e aquele pozinho
insuportável foi se alojando nos seus pulmões, impedindo-o de respirar
livremente! Ele foi o líder dos operários, à testa daquela greve, cujo panfleto
eram os pedidos de melhores condições sanitárias dentro da fábrica! O mesmo
desejo que o colocou nas mãos da justiça, era sua necessidade básica! Paradoxo
da injustiça! Perdeu o trabalho que tanto amava, por estar perdendo a saúde
para o ganha pão! Naquele tempo, carteira assinada... Quem a perdia, não
conseguia mais emprego. E além dele, estava perdendo a saúde e a vida! Tínhamos um cachorro: Nero. Amigo fiel. Onde papai estava,
podiam-se ver os seus pelos marrons brilhando ao sol, ou escondido atrás da sua
cadeira de balanço. Uma semana após a sua morte, mamãe decidiu colocar a capa
cinza e o chapéu de couro, que tanto papai usara, ao sol! Pretendia dar de
presente a um tio. Pendurados no varal, o vento os balançava num ritmo
frenético de dor! Nero se aconchegou, ali pertinho ficou... E chorou!
(Liz Rabello, in INTERVALOS, "INJUSTIÇA", Beco dos
Poetas, 2013. SP)