GOL PRA
CÁ... GOL PRA LÁ... GOL, CAGOU!
Ano 2009. Segundo semestre letivo. Sala dos
Professores. Falávamos todos ao mesmo tempo, imitando sem querer alunos
rebeldes e indisciplinados. Cogitávamos como poderíamos conhecer as obras de
autores famosos em tempo recorde para o curso que fazíamos de Artes, dentro do
nosso Colégio, no horário de Formação em Jornada Integral. Alguém insinuou uma
viagem a Belo Horizonte. Lá estavam obras de Rodin e O Mundo Mágico de Marc Chagal,
o sonho e a vida, acrescentando que a exposição estava nos últimos dias. Às
pressas, uma das professoras, que por lazer fazia pacotes turísticos, se dispôs
a cotar preços de passagens aéreas e hotéis. Marcada a data, escolhido o menor
valor, fechamos com a GOL nossas passagens de ida e volta. A princípio somente
para poucos dos vinte e três professores, o que seria sua primeira viagem
aérea, o passeio prometia ser absolutamente inédito. Mas acabou sendo
inesquecível para o grupo todo. Malas prontas, ansiedade total! Nossos
intervalos de recreio dos alunos, lanche rápido e encontros na Jornada Integral
de Formação foram permeados de conversas animadas e muitos planos para o que
deveria ser um fim de semana bate volta extremamente interessante, alegre,
cultural e de boa convivência. Sábado cedinho, momento do embarque. Entramos no
avião, não sem antes rirmos muito de uma pessoinha divertida, que por não
passar pela segurança, chegou a tirar os sapatos. Vinte e três amigos no mesmo
voo é muito bom! Mudávamos de lugar a todo instante e ninguém sabia mais onde
fora a sua primeira opção de escolha. No hotel, todos se arrumaram bem depressa
para descer para o almoço, no centro de Belo Horizonte, com grupos de música ao
vivo e dança de rua. À tarde, já dentro do ônibus previamente fretado,
percorremos as ruas da cidade, percebendo que a distância do Aeroporto de
Confins, tanto para o evento como para o hotel, não era nada fácil, nem curta.
Demoramos demais, nos perdemos... O céu azulzinho foi escurecendo. Não era
entardecer, nem a noite chegando. Apenas tempestade das piores, com vento
forte, raios, trovões e enchentes. Na rua do Museu, íngreme por nascimento, era
uma enxurrada só. Parecia uma cascata de água descendo veloz e arteira rua
abaixo. Juro que cheguei a sentir medo.
Claro que não foi possível descermos do ônibus. Ali ficamos por mais de
uma hora esperando a chuva passar. Seja por conta do tempo, seja pelo fato de
que a exposição terminaria naquele fim de semana fatídico, certo é que as filas
estavam imensas! Tínhamos prioridade, porque havíamos reservado a data, mas somente
para entrar no Museu. Lá dentro, a concorrência para ver as belas obras era
incrível! Quase todos saímos de lá, sem nada ver, sem nossa meta cumprir.
Chegamos tarde ao hotel, mas queríamos uma noite diferente. Pesquisa daqui e
dali, conseguimos descobrir uma casa noturna, com pista de dança, para
chocalhar o esqueleto. Definido o local, acertos feitos, conseguimos uma VAN,
cujo motorista ficou a nossa disposição levando o grupo em três viagens. A
minha experiência foi traumatizadora. Último grupo a seguir, ele dirigia
completamente desembestado. Em cada curva, deslizava meu corpo banco afora.
Parecia que aquele transporte ia se despedaçar e que seus destroços ficariam
pelas ruas de Belo Horizonte. Saí da VAN meio tonta, roupas fora do lugar.
Sinal da cruz para me benzer. Que bom, cheguei viva.
Ocupamos uma mesa para jantar. Digo "tentar", porque a certa altura desistimos do menu e focamos no
prato de entrada. Melhor encher o papo de torradas do que nada. O estranho é
que bebidas chegavam bem depressa. Era pedir e tomar. Sei de minha facilidade
para me embriagar. Não vacilei. Pedi um grande copo de suco de frutas. Nada de
álcool. Era, portanto, a única a estar de cabeça boa ali no meio de todos. A
certa altura, duas amigas me pediram para irmos ao sanitário. De longe li (Juro
que li) “COMADRE”. Claro, banheiro feminino. Fui à frente e elas me seguindo.
Atravessamos a pista de dança e entramos sem checar... No banheiro do
“CUMPADRE”. Um homem, muito desinibido nos acompanhou de volta indicando a
porta correta do banheiro certo. Não ousei mais tirar meus pés do lugar. E na
primeira chance, de lá saímos sem jantar e sem dançar. Após dormirmos o sono
dos justos, levantamos muito cedo. O café do hotel não era nada bom. Fomos ao
mercado central comprar algo pra comer. Lugar infestado de gente e sem tempo
pra pagar. Desistimos. O ônibus já estava a nossa espera. E nos levou para o
XAPORI. Uma mistura de comida caseira,
com mineira à italiana. O professor de Inglês, o causador da “dor” (conforme
descobrimos mais tarde) sugeriu Camarão na Moranga. Um prato delicioso e de
preparo demorado. Enquanto o menu principal não chegava, comíamos tudo o que
podíamos lambiscar nos pratos alheios. E a fome não baixou até nos
certificarmos de qual era o sabor de todas as compotas de doces mineiros que
podíamos nos servir a bel prazer. Resultado: Desta vez o atraso foi incrível.
Tínhamos que estar no aeroporto uma hora antes do voo, marcado para duas horas
daquele mesmo domingo. Confins é extremamente distante do XAPURI. Por mais que
o motorista do ônibus fretado corresse, só conseguiu chegar a tempo de nos
mostrar o nosso avião na pista. Quando demos entrada no aeroporto, correndo e gritando
para esperarem, pois ainda faltava meia hora para o embarque, o segurança
imediatamente fechou os guichês. Ninguém nos atendeu! Disseram mais tarde, em
audiência, no processo que abrimos, que o avião foi embora vazio, com as vinte
e três poltronas abandonadas! Na verdade, uma testemunha afirmou que a aeronave
decolou lotada, sem nenhum lugar sem uso, numa evidente constatação de
overbooking. Como poderíamos voltar para São Paulo? Outro voo para Cumbica,
Congonhas ou mesmo Viracopos, só ocorreria nos dias posteriores e, mesmo assim,
com pouquíssimas vagas, sem contemplar a todos. De malas pesadas às costas,
caminhávamos de um lado para o outro. Confins fica nos “confins do mundo”, não
havia nada por perto, apenas alguns lugares dentro do aeroporto, onde nos
serviam lanches minúsculos a preços ardidos. Conversa daqui conversa dali,
localizamos um micro-ônibus, cujo motorista chegava de São Paulo e faria a
viagem de volta, desde que fôssemos junto com ele até sua casa, não muito
próxima do aeroporto. Claro que aceitamos. Até hoje não sabemos de onde desceu
dos céus aquele anjo, que nos acolheu com tanto carinho e competência a um
preço bem modesto, e que ainda ofereceu seu lar para que utilizássemos
banheiros, em filas indianas. Nosso grupo não perdeu o bom humor e a cada
parada durante a madrugada, havia o momento da aterrissagem e decolagem, onde a
“auto moça” imitava a “aeromoça” com direito a falas em Português culto, que
imediatamente era transcrito em Inglês, por nosso mestre. Muitas piadas e
brincadeiras, tanto que fiquei rouca por rir demais. O melhor momento foi
atravessar o aeroporto de Cumbica a pé, malas a mão, pois o micro-ônibus nos
levou até lá, já que nossos carros estavam estacionados naquele aeroporto nos esperando.
Com certeza, esta foi a única vez que passageiros da GOL desceram de ônibus com
mais de vinte e quatro horas de atraso num aeroporto internacional. Que mico,
meu Deus! O pior mesmo foi a greve sem motivo na segunda feira, quando TODOS os
professores faltaram e não havia ninguém para dar aulas às crianças! Menos de um mês e a exposição veio para São
Paulo. Já não havia sido fácil explicar aos maridos ciumentos como é que um
grupo de vinte e três pessoas conseguiu perder o avião, quanto mais que
tínhamos que ir ao Museu de Arte Moderna em São Paulo ver Rodin e Chagal, desta
vez pra valer! A fim de nos garantir fretamos um ônibus de verdade!
Liz Rabello (In INTERVALOS, Editora Beco dos Poetas, 2012)