sexta-feira, 21 de agosto de 2020


NO FUNDO DO BAÚ

Estava de férias escolares. Doze ou treze anos.  Fui para Mogi Mirim. Meus tios e primos cuidaram de mim com muito carinho. Era uma casa de esquina, grande, bonita, de cerca baixa. Apitos de trem ao fundo do quintal davam à pequena cidade um ar romântico de interior.

À noite íamos à praça para a paquera. Na época chamava-se "footing". Garotas iam pela direita e rapazes pela esquerda. Caminhávamos em círculos opostos ao redor da Igreja matriz. Foi então que nossos olhos se encontraram. Demos voltas e voltas até girar o coração. Os pais dele tinham uma fazenda numa cidade próxima: Itapira. Dia seguinte, no café da manhã, fiquei sabendo que iríamos passar um dia inteirinho naquele recanto. Meu tio e o pai dele encheram os carros e fizemos uma viagem belíssima. Por lá, uma longa caminhada, por vezes ao longo de um riacho de pedras escorregadias. Ele pegou a minha mão para ajudar-me e não mais a largou.

Chegamos atrasados e famintos para o melhor assado com batatas e um feijão e arroz delicioso feito numa cozinha de fogão à lenha. Até hoje salivo o desejo reprimido de repetir o prato, que não pude realizar. Só tinha olhos para um jovem menino de pouco mais de quinze anos.

Depois do almoço, viagem de volta, ardia minha pele queimada, tanto quanto o coração. Levei uma enorme bronca porque não soubera me cuidar. Encheram-me de pomadas e cama.

Por volta da meia noite, acordei ao som do violão. Era ele. Viera improvisar uma serenata. Só pra mim. Só pra mim...  Na alegria, sai correndo da cama, descabelada e com o rosto repleto de pomada. Ao tentar abrir a janela fui repreendida por minha prima. "Arrume-se primeiro"...  Mas (sempre tem um mas...)  Meu tio antecipou-se e pôs os rapazes pra correr.

Minhas melhores lembranças são guardadas dentro do meu coração. E a cada vez que minha pele descasca, que ouço um apito de trem, um som de violão, me vejo, menina, num riacho de mãos dadas com um rapaz.

Liz Rabello

CRÔNICA PREMIADA COM "DESTAQUE" NO 33º CONCURSO INTERNACIONAL DE POESIAS, CONTOS E CRÔNICAS ALPAS