SONHAR É ACORDAR POR DENTRO
É numa situação de grande stress
que descobrimos a verdadeira face das pessoas que nos cercam. Por esta razão os
assaltantes que nos levam o pouco que temos, esforço de uma vida inteira de
trabalho, não são os únicos a nos roubarem os sonhos, a nos matarem por dentro. Entre roubos, assaltos à
mão armada, sequestro relâmpago, tentativa de estupro ou até mesmo estelionato,
já vivenciei de tudo um pouco e depois de cada experiência desagradável uma
aprendizagem e a descoberta de uma nova etapa da vida. Sei por experiência própria que este último assalto vem carregado de outras tristezas, decepções, incertezas, menores, maiores, tanto faz. Dor é dor. Quando é que vou acordar por dentro outra vez?
UM SÓ ASSALTO EM DEZESSEIS VERSÕES
O
PRIMEIRO ROUBO
Voltava de lua de mel, enxoval
novo, peças com carinho escolhidas e compradas. Lavei tudo com muito jeito,
cuidado e as coloquei no varal, penduradas ao sol, o vento as fazia esvoaçar de
brilho novo e intenso. Saí para a
primeira compra de mercado, feliz, como só a menina distraída e apaixonada
poderia ser. Comprei uma caixa de sal, porque estava em oferta e tive sal para
minha vida inteira de casada. Laranjas demais que acabaram estragando, bananas
maduras que apodreceram antes de serem degustadas. Enfim, muito dinheiro jogado fora em compras
que não valeram a pena. E ao chegar em casa, a grande surpresa: Um ladrão havia
surrupiado peça a peça do meu enxoval. As melhores roupas que só usara em minha
viagem de lua de mel. Eu nunca mais as vi. Minto, vi sim. Dias depois dentro de
um ônibus, uma garota vestia meu terninho de gorgorão vermelho. Impossível
coincidência! Naquele tempo não havia peças iguais costuradas nas fábricas da
China e vendidas no Brasil a preços módicos. Além do mais, os botões, o
designer, a costura, tudo escolhido por mim mesma. Era o meu terninho. Não
havia dúvida! Até hoje tenho gana de arrancar a roupa daquela moça que estava
em pé, ao meu lado, no ônibus.
LIÇÃO
DE VIDA: Nunca mais lavei de uma leva só tanta roupa e muito menos as
mais novas de uma única esfregada.
O
SEGUNDO
Talvez a ordem não seja esta. Os
fatos se mesclam em minha memória. Fui passear na Lapa, como sempre fazia,
principalmente em dias de turbulência dentro da sala de aula. Entrei na
pastelaria de esquina da Rua 12 de Outubro. Pedi meu pastel predileto, bem
queimadinho nas pontas e abri a bolsa para pagá-lo tão logo ficasse pronto. De
repente um solavanco, alguém me empurrou de tal sorte que eu quase caí e outra
pessoa sorridente me ajudou a me segurar no balcão. O pastel chegou e quando
fui pagá-lo, cadê a carteira? Fora surrupiada de dentro da bolsa aberta. Fiquei
deveras zangada comigo mesma por ter aberto aquele zíper na hora errada. Ganhei
outro pastel de graça, mas nunca mais entrei naquela pastelaria de esquina.
Dias depois, alguém me telefona: “Seu nome é este que está num RG?” – Sim. – “Pois bem, encontrei sua carteira, quer vir
pegar? E lá fui eu, sorridente, feliz da vida. Afinal naquela época não existia
um “Poupa Tempo” ou lugares fáceis para se tirar documentos novos. Ao chegar no
lugar do encontro, eis que me deparo com alguém que só queria arrancar o meu
couro. Tive que dar àquela pessoa uma notinha novinha de um dinheiro bom em
troca dos meus documentos de volta. Por que será que tive a impressão de que o
ladrão se vingara de ter encontrado apenas o dinheiro certo para pagar um
pastel?
LIÇÃO
DE VIDA: Nunca mais usei carteira com documentos. Eu os jogo
aleatoriamente dentro da bolsa.
O TERCEIRO
Estava na época de se usar
correntinhas de ouro com medalhas de crianças. Uma menina significava uma filha
mulher: um menino, um filho homem.
Demorei um tempão para comprar duas medalhas masculinas. Estava frio.
Usei um agasalho branco e ao sol deixei brilhar as medalhinhas. Algum olho
sinistro as percebeu e veio direto em minha direção, arrancando-as do meu
pescoço com muita força. Correu feito louco pela Rua Doze de Outubro, na Lapa,
e eu voando atrás. Só via as
medalhinhas presas à corrente brilhando. Eu só gritando. A certa
altura, alguém se põe a correr comigo, um moleque negro bem risonho. Disse-me
para não me preocupar que pegaria o ladrão, antecipou-se à minha frente e me
deu a maior rasteira que já levei na vida. Resultado: Fui de boca no chão,
manchando minha blusa branca de puro sangue, dor e raiva.
LIÇÃO
DE VIDA: Nunca mais usei nada de ouro, afinal em tempos de fome é um
verdadeiro acinte usar joias numa manhã de sol.
O
QUARTO
No princípio de minha carreira
como professora, após um concurso de efetivação, fui trabalhar na zona leste.
Comprei um carro, o meu Volks, lindo e que tanto me fez feliz. FH 0130, creme.
Meu maior desejo era viajar para o litoral. Meu marido, do primeiro casamento,
pois sou viúva, tinha um amigo. Ofereceu um final de semana com a esposa e dois
filhos. Fomos. Deu a maior confusão no combinado, porque como fui trabalhar,
numa reunião pedagógica num sábado, fiquei a esperar por eles no ponto do
ônibus no Ipiranga. Estava com meu carro. Eles não vieram. Fui para casa,
porque naquele tempo não havia celular, nem nada para a gente se comunicar. Ao
chegar em casa, desci com a mala de viagem nas mãos. A rua estava lotada de
crianças e pais de vizinhos moradores dali. Todos me viram chegar e logo depois
partir, quando em casa, meu telefone fixo tocou e o combinado foi reafirmado.
Fomos. Não pegamos praia. Não passeamos. Não nos divertimos, porque a coitada
da esposa do amigo estava com crise de dor: metástese de um câncer que a
dilacerava por dentro. Ela gemia e chorava, nem morfina adiantava. Foi um
absurdo aquele homem levar a mulher tão mal assim a um passeio que ela não
queria. E nem poderia vivenciar. Voltamos pela manhã e poucos dias depois, a
mulher morreu. Quando chegamos em casa, tudo revirado, portas abertas, polícia
na porta. Muito assustada, recebi a notícia de que minha empregada não mais
viria trabalhar naquela casa, tão pouco segura. O que eu poderia fazer com uma
criança pequena e trabalhando tão longe de casa? Nem me importei com objetos
roubados. Tempos difíceis. Pus a casa à venda. A intenção era comprar outra na
periferia da zona leste e começar vida nova por lá. Só consegui vendê-la muitos
anos depois.
LIÇÃO
DE VIDA: A experiência me mostrou depois e antes que não adianta
mudarmos de casa, porque nela a gente fica pouco. Passamos muito mais tempo
fora dela e estamos sujeitos a assaltos por toda parte.
O
QUINTO
Estava numa agência do Banco
Mercantil. Um dia ele existiu. Uma fila enorme. Sempre tive problemas
auditivos, nunca foram tão fortes como na atualidade, mas já eram reais naquela
época. Observei que todo mundo parou de trabalhar. Ficaram quietos. E eu
comecei a ficar irritada. Tinha pressa, queria ir embora e aquele povo sem
querer trabalhar. Saía do meu lugar, me mexia, enquanto todos ali estavam como
que paralisados. Esticava o corpo, (sou baixinha), esticava o pescoço, pontinha
dos pés e nada via. Todos quietos. Silêncio mortal. Só me dei conta do assalto
ao banco quando um deles apontou a metralhadora direto na minha direção e avisou: “
Ou fica quieta ou te mato”!
LIÇÃO
DE VIDA: Não queira ser a diferente num grupo de iguais. Acompanhe a
manada.
O
SEXTO
Meu primeiro carro foi um Volks,
creme, novinho em folha. Comprei uma trava de segurança, que me acompanhou por
outros carros, que fui trocando, até chegar no GOL GI vermelho, teto solar,
aerofólios, um monte de frisos em preto destacando a cor original, lindo de
viver! Saí do estacionamento do colégio acariciando a trava de segurança e
conversando com ela. Agradecendo por sua lealdade durante todos aqueles anos,
protegendo o meu bem móvel. Cheguei na Lapa por volta das três. Deixei o carro
na Gomes Freire e fui ao Banco do Brasil. Demorei um bocado. Filas enormes. Ao
sair, vejo um carro muito semelhante ao meu. Nossa, que coincidência... Era o
meu! Não, estou enganada, afinal eu colocara a trava. Ao chegar no local da
memória não estava mais onde o deixei. O seguro me deu dinheiro para comprar outro. Tinha vendido minha antiga casa numa época imprópria, pois era o período de urvização, um seguimento do plano real. A sociedade passou pelo processo, menos nós, funcionários públicos municipais, que não tivemos nenhum tipo de reajuste em nossos salários. Tinha uma dívida para pagar da casa nova, diferença de preço por algo melhor. Foram meses de fome. Não conseguia estar em dia com minhas responsabilidades. O dinheiro foi muito bem vindo. Quitei a casa. Fiquei quase um ano sem rodas nos pés, andando de ônibus e de caronas. Dez meses depois do assalto, encontraram o meu chassi, mais nada. Agora, era um gol branco, totalmente
modificado. Impossível reconhecê-lo. Se bem que até poderia jurar que o carro
ao lado da janela que eu via era muito mais semelhante ao meu, que em minha
memória já morria. Só que o proprietário “daquele”, me disse o funcionário, era
o Delegado de plantão!
LIÇÃO
DE VIDA: Nunca mais deixei nenhum automóvel em ruas desertas ou não.
Eu sempre os coloco em estacionamentos pagos.
O
SÉTIMO: UM QUASE ESTUPRO
LAÇOS DE
AMOR
Há sempre
um ponto
Uma
encruzilhada
Um banco
Uma
esquina
Um lance
de olhar
Uma gota
de orvalho
Uma luz
ao luar
Uma fonte
a jorrar
Uma chuva
constante
De lindas
notas musicais
Onde o
amor está!
Sou a filha do meio de um casal
como poucos. Meus pais se amavam e não me lembro de brigas, muito menos
desavenças por quaisquer razões. Só me vêm às lembranças muito amor, de ambos
os lados. Cresci cercada de palavras de afeto e muito agarrada ao colo dele, a
seus carinhos de proteção e ao seu jeitinho carinhoso de me dizer o quanto
acreditava em meus sonhos e potencial. Pena tê-lo perdido tão cedo. Era menina
quando Deus o levou para morar com as estrelas. Órfã de sua presença física,
jamais vivi sem apego espiritual. Por esta razão mesmo adulta eu o tinha em
pensamento e coração. Uma noite, após estudos em grupo, preparação de um
seminário, saí sozinha do apartamento de uma amiga do pós-graduação que
fazíamos pela PUC. O relógio marcava por volta de dez horas da noite. Oscar
Freire, rua pouco movimentada de pedestres, mas com muito trânsito. Havia
deixado o carro três quarteirões adiante e fui a pé, sem medo algum, já com as
chaves na mão, pronta a entrar e ir de encontro aos meus filhos, que me
aguardavam em casa. Foi então que atônita percebi três rapazes a me cercar.
Rapidamente um pela direita, outro pela frente e um se adiantou e me
ultrapassou na calçada ficando atrás de mim. Diziam palavras entrecortadas com
obscenidades, dando-me a entender que pretendiam algo comigo apavorante. Num
repente de defesa, corri para a esquerda, único fragmento de abertura
disponível e atravessei a rua em meio ao trânsito, correndo desesperadamente,
não sem antes, mentalmente pedir ajuda a Deus: “Pai, me socorre”! O semblante
do meu Deus tinha a face de papai. Do outro lado da calçada, um carro claro, da
Volkswagen, faróis acesos pronto para sair. Bati nos vidros com toda força que
consegui e o motorista abriu a porta. Entrei. Pedi para correr. Não, não pedi,
exigi, gritei! Ele me ouviu, obedeceu e só bem adiante é que parou, para me
acalmar e, em Espanhol, pois nenhuma palavra entendia ou falava em Português,
tentou se comunicar comigo. Pela lógica dos fatos, mostrando as chaves em minha
mão, acabou voltando e me levando até meu carro. Acompanhou-me um bom pedaço e
só desistiu de me ajudar quando observou que não estava mais em perigo. Cheguei
em casa muito suada. Tomei meu banho. Um chá. Não conversei com ninguém sobre o
fato. Apenas agradeci a Deus. Dois dias depois fui à casa dos padrinhos do meu
filho mais velho. Já estava saindo quando minha tia me falou: “Noite passada
tive um sonho estranho e rápido. Você atravessava a rua e seu pai a protegia
com a mão em sua cabeça”. Nada consegui dizer. Só chorei. O amor tem laços que
somente o coração consegue captar.
LIÇÃO
DE VIDA: Confie em sua intuição, não pense somente por sua capacidade
de raciocínio lógico. Deixe o coração falar mais alto.
O OITAVO: ASSALTO À MÃO ARMADA
Fiz muitas viagens para Campos do Jordão. Amava. Levava bordados e ia desenhando motivos artesanais de frutas, flores e animais. Sempre pedia o mesmo chalé de número 52, porque dali dava pra ver o por do sol ou as nuvens em fantasia, como se eu estivesse dentro de um avião, acima delas. Da última vez que fiz este passeio, levei apenas meu filho mais novo e deixei o mais velho sozinho em casa. Era a semana intermediária entre o Natal e o Ano Novo, fiquei cinco dias fora de casa. Só tinha um carro, e, é claro, viajei com ele. Deixei meu filho mais velho, portanto, sem rodas. No último sábado, ele, já com desejos de gravidez de dirigir, pegou o carro do vizinho e levou uma das amigas deles para casa dela. Lugar próximo de onde morávamos. Ao chegar no portão da garota, logo após ela ter saído do carro (graças a Deus), entrado em casa, meu filho foi abordado por dois assaltantes, ambos armados. Colocaram ele no banco de trás sob a mira de um revólver, tiraram todas as roupas dele: agasalho de frio, calças, camiseta, tênis, até meias, tudo novinho, comprado para serem usados nas festas de fim de ano. Deixaram-no de cueca. Cada vez que ele se mexia no carro, gritavam para não olhar, obviamente, tinham medo de serem identificados. Ao chegarem na trigésima terceira delegacia do bairro, jogaram-no pra fora do carro. E rindo, disseram: "Vá dar queixa"! - Humilhado, sem roupas, sem dinheiro, sem documentos, rolou pela calçada, bem em frente ao posto policial escolhido pelos bandidos. Audácia mórbida! Isto já faz mais de vinte anos! Mas ainda hoje me dói lembrar destes fatos. Quando cheguei de viagem, aquela notícia triste e pior, a bomba: Os pais do amigo do meu filho vieram me cobrar pela perda do carro. Fui bem firme: "Não foi a mim que emprestaram o carro e se meu filho tem alguma culpa, o seu também tem"! Eu me comprometi de obrigar meu filho a pagar do salário dele por mês uma boa quantia para ajudar o garoto a comprar outro carro. Concordaram. Passados dois meses, o carro foi encontrado num desmanche, entregue ao proprietário, que veio em minha casa me cobrar financeiramente e também a presença do meu filho com ele, para procurar peças em desmanches, afim de montar um novo Volks. Passei o maior sabão no rapaz, gritando o que eu pensava disto tudo: "Olhe, menino, vocês não devem fazer nada disto, porque estarão dando asas à corrupção do roubo, cujo objetivo é manter o mercado de peças roubadas. Juízo para os dois." Graças a Deus tiveram. Fui ouvida. Durante mais de um ano, meu filho pagou em suaves prestações um roubo de um objeto que nunca foi dele.
LIÇÃO DE VIDA: Roupas de marca jamais entraram em meu lar de novo. Amizade entre eles continuou tal e qual. E não se dirige carro dos outros. Cada um é responsável por seu próprio bem.
O NONO: ASSALTO À MÃO ARMADA
Ainda me lembro de quando o
comprei. Meu primeiro carro zero. Um FORD K.
Vinho, minha cor predileta. Era lindo! Final de ano, começo de novembro.
Provas em andamento, diários de classe prontinhos para serem encerrados e um projeto: “De Olho no Fonte”, uma revista. Organizara os alunos da sétima série em
grupos, jornalistas mirins, fizeram entrevistas, à escolha deles, tema e
pessoas importantes. Tiraram fotos. Eu mesma editei os trabalhos usando um site
especial da Internet. Estava saindo de casa mais cedo para um encontro com o
responsável por uma gráfica para fazermos ajustes de preços para publicação.
Uma reunião importante no colégio. Saí despreocupada e já no meio da garagem,
metade do carro pra fora, uma outra parte para dentro, o indivíduo chega,
encosta a arma na minha nuca. Aquele cano gelado e duro me fez retrair e o
carro morreu. O assaltante me deu a ordem: “Vá para o banco de passageiro” –
Tomou o meu lugar na direção e saiu cantando pneus. Estava chovendo. Eu lhe
entreguei a bolsa e todos os pertences, menos os diários de classe e o meu
projeto. Pedi, não, implorei para que me deixasse ficar com este último
material. Dizia que era professora, que se levasse os diários poderia
prejudicar meus alunos. Eu queria ser justa com eles e com seus crescimentos individuais.
Não sei se falei demais e o irritei, ou se toquei as notas certas de uma velha
canção de amor. Eu sempre amei minha profissão. A certa altura parou o carro,
jogou em minhas mãos a pasta que pedira, me deu o guarda-chuva para que eu
voltasse pra casa sem me molhar e ainda confessou: “Não chame a polícia, vou
deixar seu carro ruas abaixo desta”. Não obedeci e chamei a polícia, mas uma
hora depois, meu carro foi encontrado ruas abaixo da minha. A reunião aconteceu. A diretora conseguiu uma parte do dinheiro através da Diretoria de Ensino, outra parte retirou dos gastos normais da escola. A revista foi publicada, quinhentos exemplares foram impressos. Fizemos a noite de lançamento, com a presença de todos os alunos jornalistas, seus pais, amigos, familiares. Eu mesma levei nora, filhos e neto. Houve um show de violão com professores e alunos, que frequentavam a oficina de som. Petiscos e refrigerantes numa bela mesa para todos degustarem. Um rápido discurso de agradecimentos. Alunos falaram, a diretora e eu também. Ao final, o Presidente do Conselho de Escola pediu a palavra. E em lugar de homenagear ou investir em palavras de encorajamento ao futuro do projeto, ameaçou levar a diretora, o coordenador da Diretoria de Ensino e a mim para um processo jurídico, porque os gastos não haviam sido feitos de forma correta e não tinham aval do Conselho de Escola. Eu não chorei pelo assalto, mas fiquei infeliz demais por esta traição, porque a primeira pessoa a quem pedi ajuda para viabilizar a revista foi para ele. Negou-se para depois me ameaçar em público. Resultado: o segundo número jamais aconteceu e nunca mais por lá houve alguém a fazer uma revista.
LIÇÃO
DE VIDA: O jovem assaltante tinha coração e amava suas ex professoras. Nem
sempre a gente se dá mal quando confessa a própria profissão, mas com colegas de trabalho, às vezes a traição é fatal. Arrancam-nos os sonhos e nos roubam esperanças
O DÉCIMO
Sábado à tarde, saindo do Banco
Itaú, onde fui pegar trocados para o final de semana, deixei meu carro em
frente ao PET, onde levava meu cãozinho para o banho semanal. Quando acontecia
de me demorar a ir buscá-lo, tocava a campainha ao lado, onde os donos do
comércio moravam e eles me atendiam. Portanto, o cachorro raivoso me conhecia,
mas jamais pusera os pés para dentro da casa fortemente vigiada por ele. Naquela tarde, ao sair do Banco, já na volta,
dei de cara com um motoqueiro, que imediatamente deu uma volta em ré, quase
caindo da moto e veio em minha direção sobre a calçada. Outro chegava em
direção oposta. Corri feito louca antecipando o assalto, abri o portão da casa
dos donos do PET e o cachorro bravo veio com tudo. Fiquei espremida entre a
cruz e a espada. Minha força e minha fé na vida me deu o olhar direto para os
olhos daquele cão. Ele não me atacou, mas assustou os meliantes.
LIÇÃO
DE VIDA: Na dúvida, confie mais no cão do que nos homens.
O DÉCIMO PRIMEIRO:
ASSALTO À MÃO ARMADA
Parei o carro, o tal FORD K, em
frente a uma lojinha de materiais de papelaria. Do outro lado da rua, em frente
à Lavanderia, numa rua paralela de onde moro. Fiquei muito tempo parada no
balcão escolhendo cores diferentes de cartolinas. De repente, sinto no pescoço
algo gelado e uma mão trêmula. Era um meliante armado me dizendo ser um
assalto: “Entregue a bolsa”. Gritei: “Que brincadeira é esta? ” – Mas não era
brincadeira, além de minha bolsa, levou tudo o que estava no caixa da
papelaria. Saiu correndo, com as calças caindo, por conta de um zíper aberto.
Eram os dois bem branquinhos e um deles, com carinha de menino bom, de óculos.
Mais parecia um intelectual. Viraram a esquina e eu corri para o meu carro,
pois as chaves ficaram em minha mão e fui atrás dos ladrões. Até hoje não sei o
que faria se os alcançasse. Só sei que entraram ambos num corcel marrom e
dispararam pelas ruas do parque onde moro. Fui direto para a Delegacia e lá
encontrei pessoas da Lavanderia, afirmando que foram assaltadas pelos mesmos
caras e que uma das garotas fora estuprada por um deles.
LIÇÃO
DE VIDA: Nunca mais me demorei para escolher o que quero. Sou rápida e
também não entro em lojinhas de garagens, sem nenhuma segurança para o
consumidor.
O
DÉCIMO SEGUNDO: ASSALTO À MÃO ARMADA
Não sei de minha existência aqui
sem ela. Quando eu nasci já tinha dois anos. Sempre cuidou de mim e eu a tinha
como minha melhor amiga. Confidente.
Quando minha irmã morreu, fiquei sem chão, sem ar, sem norte. Trouxe minha mãe
para morar comigo e ia duas ou três vezes por semana cuidar das plantas delas.
Abrir as casas, deixar o sol entrar. Quem sabe não me faria a dor passar! Numa
destas visitas costumeiras, criei coragem e escolhi tudo o que mais amava nos
objetos pessoais de minha irmã. Enfeites, bibelôs, pijamas, lingeries, roupas
de cama e mesa. Uma bíblia e uma correntinha de ouro marcando suas últimas
leituras bíblicas, aquilo que minha irmã lera dias antes de fechar os olhos.
Palavras grifadas falavam do sopro da vida e da chegada da morte. "Para tudo há uma ocasião certa.
Há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu. Tempo de nascer e tempo
de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar
e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e
tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e
tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e
tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e
tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de
odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz". (Ocasião Certa - Eclesiastes 3:1-8) Peguei tudo e arrumei direitinho
dentro do porta malas do meu carro. Cheguei em casa muito tarde, tempo
suficiente só pata almoçar e levar minha mãe ao médico dela na Vila Cursino.
Subi com a bíblia e a correntinha de ouro marcando o que havia lido no quarto
de minha irmã falecida. Pensei em dar aquele presente ao meu sobrinho, filho
dela, como realmente o fiz. Os outros objetos eu, mais tarde, na volta, pegaria para guardá-los em
minha casa. Tão logo chegamos ao consultório médico, minha mãe desceu do carro
e eu também. Com a chave na mão tentava fechá-lo, quando três moleques, menores
de idade, sem dúvida, me abordaram e um deles encostou a arma em minhas costas
e me obrigou a dar as chaves. Enquanto fugiam cantando pneus, minha mãe
desmaiava e eu desenhava na memória cada curva de um dos moleques que se sentou em cima
dos exames médicos, que minha mãe fizera e que seriam usados em uma cirurgia.
Estávamos próximos do apartamento em que meu irmão morava. Telefonei pedindo
ajuda. Estava sem dinheiro, sem documentos, sem carro e sem chaves para voltar
para casa. Minha sobrinha atendeu o telefone e me disse de forma lacônica e
infeliz: “Tia, hoje não posso fazer nada, estou muito ocupada por conta de
minha viagem aos states” – Respondi que não poderia sair dali sem fazer BO,
alguém precisava levar a vó de oitenta anos para a própria casa, porque minhas
chaves foram roubadas e ela, nem sequer poderia entrar na minha. Ao que ela
prontamente resolveu: “Tia, pegue um táxi, coloque a vó dentro, mande-a para
casa e peça a uma vizinha para pagar o táxi, ficar com ela, esperando por
você”. É, foi bem assim, descobri que nos momentos de stress é que conhecemos a
alma das pessoas. Telefonei aos meus filhos e ambos chegaram, bem mais tarde,
já que nossa casa era distante. O mais velho levou minha mãe pra casa e o mais
novo foi comigo ali no bairro fazer um BO. O primeiro voltou para me levar de
volta à minha casa. Mas no meio do caminho, fomos avisados que encontraram o
carro dentro da favela Heliópolis e que os menores estavam na Delegacia para
serem reconhecidos por mim. Voltamos. Eu já fazia planos de alegria por rever
os objetos amados e que representavam meus melhores momentos com minha irmã.
Qual não foi minha surpresa quando me deparei com o carro, ou melhor, com os
restos mortais do meu carro. Totalmente depenado, mais um dia e ele não mais
existiria. Batido em todos os cantos, pois na correria para afastar a polícia e
fugirem ilesos foram raspando o carro entre as ruas pequenas e lotadas de
dejetos da favela. Os moradores deram fim a todos os objetos amados de minha
irmã. Só deixaram os exames de mamãe. Já na Delegacia tive que me deparar com
um exército de pessoas que ali estavam para proteger os meliantes. Ao todo,
oito pessoas, entre pais de cada menor, um advogado e um homem negro, alto,
forte, que me olhou como se eu é que fosse a ré e não a vítima. Eu os
reconheci, com toda certeza, mas me acovardei diante do assédio moral que o
olhar daquele homem imprimiu sobre mim. Coloquei na boca a palavra “NÃO” e
voltei para minha casa, completamente infeliz.
LIÇÃO
DE VIDA: Não se deve confiar em ninguém, pois só em momentos de grande
stress é que conhecemos quem realmente está do nosso lado para o que der e vir.
O
DÉCIMO TERCEIRO: ASSALTO RELÂMPAGO
Meu filho mais novo estava
doente. Tomava remédios. Tinha se atrasado com o horário. Telefonou para mim me
avisando que chegaria logo, para não me preocupar, pois não esquecera o horário
do antibiótico. Estava num cruzamento da Francisco Matarazzo, em direção à
Ponte de acesso à Marginal Tietê. Calculei que chegaria por volta de meia hora.
Onze horas, meia noite e nada. Comecei a orar: "O Senhor é o meu pastor, nada me faltará." Foi abordado
por outro carro. Jogaram-no no banco de passageiros. "Deitar-me
faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas". Na
verdade, o carro usado era de um senhor também em sequestro relâmpago em
andamento. "Refrigera a minha alma;
guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome." Ambos foram
levados aos respectivos bancos e os obrigaram a sacar dinheiro, depois jogados
dentro de um barraco de uma favela, amarrados, de olhos vendados, de sorte que
nada puderam visualizar do trajeto, só um mapa visual de curvas e entradas, que
de nada ajudaram, pois, a memória é fraca quando o stress é maior. “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra
da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu
cajado me consolam." Eu, em casa, calculava e recalculava o tempo.
Impossível esta demora. "Preparas
uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com
óleo, o meu cálice transborda."
Por que ele não atendia o celular? Mais de trinta ligações que eu fiz no
desespero de mãe, que tem intuição da verdade. "Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os
dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias." A
certa altura comecei a orar de joelhos ali mesmo em minha cozinha: "O Senhor é meu pastor "
Depenaram os dois carros de bancos, step, objetos pessoais. "E nada me faltará".
Devolveram o carro do meu filho com o idoso atrás. "Deitar-me faz em verdes pastos". Ficaram com o Corolla
do outro. Carro de maior valor do que o Celta. Meu filho levou o senhorzinho para o BO na delegacia e depois para
sua casa e chegou de madrugada. "Amém"!
LIÇÃO DE VIDA: Quando todas as
portas se fecharem, há uma que permanecerá aberta: a fé através da oração.
O
DÉCIMO QUARTO: ANTEPENÚLTIMO ROUBO
A MEDALHA
DE NOSSA SENHORA
Na
caixinha de veludo vermelho
Cabem
todas as lembranças
Tomar
banho de caneca no fundo do quintal
Bater
cara atrás das árvores
Acarinhar
cãozinho de estimação
Sarar com
beijos a dor do amiguinho maior
Guardar
uma medalha de ouro
Sarar com
saudades uma amizade sem fim
A gaveta jogada ao chão, casa
todinha revirada, recibos destruídos da compra de um apartamento que nunca mais
encontrei. Quando vi meu quarto todo
saqueado, a lembrança de minhas joias guardadas com tanto carinho dentro de um
estojo de madeira, forrado de veludo vermelho, puído pelo tempo, foi a minha
maior e grande perda naquele último assalto há doze anos atrás. Eu a perdi para
sempre. Pensei com tristeza! Ao pegar a
gaveta para recolocá-la em seu devido lugar, desmoronou em cima do meu pé. O grito de dor não foi maior do que a alegria
de vê-la: Eis que brilha no ar uma medalha de ouro de dezoito quilates.
Enroscada no cantinho da armação da gaveta, desabou pelo chão, em constantes
cascatas de ouro ao brilhar dos raios de sol daquela manhã. Os assaltantes que
entraram em minha casa, enquanto eu saíra para levar minha mãe à dentista, não
conseguiram roubar de mim as memórias, muito menos a medalhinha de Nossa
Senhora de Fátima. Eis que me abaixo e a pego e a coloco entre meus dentes,
para sentir seu valor, na mesma cena de meio século atrás, imitando sem querer
um gesto de meu pai. - “Filha, onde foi que você pegou esta riqueza? Olha, tem
até o valor do ouro em dezoito quilates. Com espessura e tudo”! – Olhei para
ele indignada. Na ingenuidade dos meus sete anos de idade só existia a bondade,
o amor e a amizade. Como assim “pegou”?
Eu a tinha ganho no recreio do pátio do colégio estadual José Carlos
Dias, local onde aprendia as primeiras letras. Menina tímida, pouco falava, mas
meus olhos diziam tudo. Na dança do brilho deles, só havia lugar para o amor.
Meu pai chamou minha mãe e ambos discursaram um diálogo que não captei. Ninguém
mais tocou no assunto, só percebi que ele, como sempre fazia, me defendia e
minha mãe me acusava. Só soube do quê, alguns dias depois, quando conheci na
escola, onde estudava, pais de uma amiga de carteira. Naquele tempo sentávamos em pares. Eu adorava
aquela companhia, que me ajudava nos estudos e na ampliação dos ingredientes do
lanche. O dela era farto, o meu escasso. Minha mãe, a professora e aquelas
pessoas falavam coisas que não conseguia entender. Daí ela chegou. Mara, não
atoa, um anagrama de amar. Lá se vão mais de meio século de tempo em exaustão e
tudo recordo com exatidão de fotografia. Menina linda, de óculos, alegre,
dançando as pernas ao vento em sua saia plissada e cabelos em tranças. Parou ao
meu lado e me beijou feliz, dizendo a todos simplesmente assim: “Meu pai é
ourives e me deu permissão para presentear a minha melhor amiga com uma
medalhinha de Nossa Senhora”.
LIÇÃO
DE VIDA: Podem nos levar tudo em termos de bens móveis, dinheiro,
documentos, mas não conseguem retirar do âmago da nossa alma, da memória, os
ensinamentos que a vida nos traz.
O
DÉCIMO QUINTO: PENÚLTIMO: ESTELIONATO
Após conseguir colocar a casa em
ordem, levei dias procurando documentos de pagamento de prestações de um
apartamento ainda sem escritura, achei por bem mandar fazer grades nas janelas
e um portão no quintal fechando outro acesso e blindando a porta da cozinha. A
casa estava muito vulnerável. Fui atrás de um serralheiro, na pressa qualquer
um servia. Contratei no tapa. Ele pediu seis mil reais em três cheques
pré-datados, não nominais, para que pudesse trocá-los por mercadorias com os
fornecedores. Minha mãe me alertou: “Você não tem medo de dar tanto dinheiro
assim a um desconhecido”? – Respondi, zangada, que sabia o que estava fazendo.
Não sabia, nada de nadinha. Um mês, dois meses. Nenhuma grade entregue. Resolvi
fazer pesquisa sobre o tal serralheiro e descobri que tinha várias passagens na
polícia por estelionato. Trabalhava com os cheques das pessoas, ia a um agiota
e conseguia o dinheiro vivo, trocando os cheques de pessoas idiotas, como eu,
pelo natal que desejava ser mais farto. Fiz um BO na delegacia, abri um
processo judicial e sustei os cheques.
Um já havia sido quitado. Este, perdi para sempre. Outro estava com um
agiota, policial aposentado da Polícia Militar, que tinha uma mansão, em Osasco. Este me ordenou que fosse
quitar o cheque, pois que ele tinha meios de me fazer pagá-lo por bem ou por
mal. Pedi a um professor de minha escola para ir comigo buscar o cheque
devolvido. Ele não pode entrar, só eu, que fiquei presa num elevador de passagem
da portaria ao escritório do agiota. Só a blindagem daquele ser já era tudo de
ruim que alguém pode sofrer como assédio psicológico. Seguranças pra todo lado.
Entrei, paguei, peguei meu cheque e fui embora, com a exata impressão que
estava sofrendo um novo golpe, um assalto pior do que aquele que ocorrera
antes. Quanto ao terceiro, decidi seguir os trâmites judiciais e ir até o fim
do processo. Só consegui reaver meu nome
limpo após sete anos e apenas um mil e quinhentos reais de volta, só que uma
parcela ficou para meu advogado. E as grades e o portão? Paguei para outro
profissional, bem mais competente e honesto, que tudo fez por menos de um terço
daquele outro valor, ou seja, além de negociar porcamente os meus cheques e meu
nome, o serralheiro ladrão também superfaturou a obra.
LIÇÃO
DE VIDA: Nunca se apresse a resolver os problemas após um assalto,
pois outro pode se acavalar em seu lugar.
O
DÉCIMO SEXTO: O ATUAL,
QUE
PELO RUMO DOS FATOS, NÃO SERÁ O ÚLTIMO
LUTO
Estou em luto
Por sonhos castrados
Objetos roubados
Por quem sai da minha vida
Sem sequer olhar pra trás
Luto contra a impotência do luto
Sem futuro, sem presente
Sem perspectivas a implorar
Morta por dentro
Morta por dentro
Vivendo a cada dia
Como quem precisa um vício superar
Liz Rabello
Há pouco mais de dois anos atrás,
meu vizinho do lado foi viajar e deixou chaves com alguém de sua confiança para
entrar na casa e cuidar do cachorro. Abri-la, fazer de conta que tinha gente
nela. Ladrões tentaram entrar, mas se deram mal. Fugiram sem nada levar. Cego
de raiva, o proprietário armou-se de uma cerca, que só se vê em penitenciárias.
Minha casa está horrível. Dá a impressão que há o que se temer por dentro dela.
Passei a deixar as primaveras mais altas, para cobrir aquela cerca que me faz
muito mal só de olhar. E que não protege ninguém, pois, nem bem passaram dois
meses, os meliantes voltaram, aproveitaram uma brecha no portão da garagem para
pegar um pintor, que estava a trabalhar ali, amarraram-no com a empregada
dentro do quarto do segundo andar e limparam a casa. Minha câmera os pegou, mas
a polícia não conseguiu desvendar os fatos. O vizinho colocou a casa à venda.
Lá se vão mais de dois anos e não conseguiu vendê-la. Sei por mérito que não adianta vender um bem para fugir de roubos.
Eu me cuidava apenas
com um terço benzido pelo Padre Antônio Maria e me ofertado de presente por uma
amiga, que se indignara com tantos roubos e assaltos contra mim. E, algum tempo
atrás, argumentei com meu filho que achava brega aquele terço no carro: “Não, filho, não se trata do objeto, mas do
fato em si, da intencionalidade. Este terço me protege”. De certa forma, tudo
poderia ter sido pior, mas aconteceu. Novamente. Cheguei em casa faminta, doida pra comer
algo pois já eram quase duas horas da tarde de um sábado. O portão eletrônico está
quebrado. É necessário abrir e fechar com o cadeado. Saí do carro, abri, entrei
dirigindo e quando já estava com o portão praticamente fechado, dois
assaltantes me renderam. Ainda entrei em luta corporal com eles, eu com força
fechando o portão por dentro e eles tentando abrir por fora. Até que estava
tendo sucesso, só que um terceiro se aproximou com arma em punho. Expressão
maligna. Cedi. Entraram e enquanto um deles, cheirando a álcool, tremendo
muito, pálido em sua parda cor, encostava o cano da 38 em minha nuca, e, bem
próximo a mim dizia coisas que nem consigo mais pensar: “Não me custa atirar,
não grite” – um outro me amarrava os pulsos na escada mesmo. Minha cachorra
latia muito e eu orei para que meu companheiro não saísse de dentro de casa.
Deram um pontapé na Vareta. E eu não
mais a vi. Quando fui levada ao quarto, já tinham feito meu marido de refém,
jogado ao chão, o homem pardo agora tinha a arma na nuca dele e um dos pés
pisando-o. O outro meliante o amarrou também. Em menos de dois minutos, levaram
tudo o que quiseram dentro do meu Peugeot. As câmeras de um vizinho mostram bem
que durante todo o assalto, um savero vermelho, de rodas amarelas, fazia cobertura, passando por quatro vezes pelo circuito de ruas próximas ao quarteirão. Meu carro
foi encontrado uma semana depois. A pista foi um radar, mostrando-o sendo dirigido por um meliante e sua namorada. Preso em flagrante, fui chamada para reconhecê-lo, mas não consegui em minha memória traços iguais ao do rapaz pego. Não, não consegui me lembrar de ninguém tão bem vestido, de brincos, cabelos e barba tão bem aparados. Penso ser o assaltante que dirigia o carro vermelho. que acompanhou o assalto. Quase um mês depois, e eu, sozinha, fui à Delegacia do bairro e reconheci, sem pestanejar, o rapaz que me amarrou. Olhos claros, pele clarinha, olhar de paz. Mais de vítima do que de réu. Fico imaginando para onde foram os sonhos que eu perdi no derenrolar de minha vida ao ponto, agora, de não me sentir segura, nem mesmo diante de jovens de boa aparência. Foram vários prejuízos financeiros e emocionais. Mas o pior deles foi a postura do meu ex companheiro por quatro anos ao meu lado, que impôs a regra. Ou
saímos desta casa, ou saio eu, sozinho. Ele se foi.
LIÇÃO DE
VIDA: Só conhecemos as pessoas que nos cercam em
momentos de extremo stress. É neste instante que as máscaras caem.
RECOMEÇAR SEMPRE
Liz
Rabello
DEPOIMENTO NO FÓRUM
Eis-me cara a cara novamente com meus agressores, um assaltante que me humilhou ao me amarrar com meu ex companheiro, um crápula que me traiu. Mal sabia ele, o preso, que aquilo que atou, desandou, pois ao me amarrar com meu ex amor, me propiciou o último momento de carinho, de minha parte, além da vida eu dava meus sentimentos com fervor. O miliante roubou meus documentos pessoais, chaves, celular, computador, tablet, tv, um carro, que já voltou. E eu ali, parada, sem conseguir mais identificar o homem até olhar de perto dentro dos seus olhos verdes e descobrir que este, afinal, não foi o pior agressor. Roubou-me olhando-me nos olhos, de tal sorte que eu ali o identificava, mas atrás de mim, eis quem realmente me humilhou. O ex também estava por ordem do promotor e pelas costas, levou um carro, outros bens, me endividou, castrou sonhos, assediou meus desejos sexuais e os atrelou a contas bancárias e a vendas de bens materiais. Passou-me a perna em Antologia que paguei e me excluiu. Editor fajuto em três livros meus ISBN sem valor, falsificou. Mentiu, fugiu na calada da madrugada e com outra me traiu. Tirou de mim o que de melhor existia: a fé, a confiança, a virtude de acreditar que era possível o amor sem tanta dor.
Liz Rabello