quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

LÁGRIMAS DE SANGUE

Era jovem, apaixonada pelo meu marido. Já mãe do meu filho mais velho... Quando chegaram visitas para o jantar... Um casal, ela, minha amiga pessoal; ele, amigo do meu esposo. Aquelas visitas tornaram-se frequentes. Nós, também, retribuíamos os convites para sairmos juntos. Até que comecei a perceber o interesse do amigo por mim, telefonemas no meio da tarde, quando sabia, meu marido não estava, recados absolutamente desnecessários. Um dia, aquilo me irritou e abri o jogo: “Se você não parar com isto vou contar para sua mulher!” A resposta veio rápida: “Pode deixar, eu mesmo conto!” E realmente contou. Nunca soube exatamente o quê, porque minha amiga jamais voltou a falar comigo.

Os anos se passaram, não falei nada a ninguém, nem ao meu esposo, sabia o quanto era ciumento. A morte levou meu segredo para o túmulo. Primeiro o meu marido, depois o homem traiçoeiro. Encontrei, recentemente, a amiga. Muito bonita (aliás, sempre foi!) Demos de cara uma com a outra e não houve como não nos cumprimentarmos. Ela sorriu e eu lhe dei um abraço e um beijo; disse-lhe ao pé do ouvido: “Meus pêsames pelo falecimento do seu marido” – Ela sorriu, novamente: “Não sinta, eu sabia muito bem quem era ele, mas o amava.”

Olhei para ela com olhos de quem nunca a viu e a admirei por ser capaz de amar assim. Ela sempre soube a verdade, mas o queria mais do que a nossa amizade e se sacrificou por ele. Hoje, revejo os fatos: precisei de mais de trinta anos para me sentir justiçada. Quantos anos precisarei para me renovar da injustiça de hoje?

Liz Rabello

UM BEIJO INESQUECÍVEL

Sete ou oito anos. Brincávamos no fundo do quintal de minha casa. Cada uma de nós tínhamos por namorado uma das árvores do pequeno pomar. Era apaixonada por uma goiabeira, de galhos contorcidos, onde me sentava para ler Monteiro Lobato, Irmãos Grimm ou as revistinhas de histórias em quadrinhos do Pato Donald, que adorava. Eu me atrasei na escolha e fiquei com o pé de caqui. Naquele tempo também a gente “ficava”. Abracei a árvore com todo ardor, fechei os olhos. Encostei os lábios, de selinho, é claro. Um, dois, três... Lasquei o maior beijo numa taturana preta! Mais tarde, boca inchada, tive que contar a história do beijo para um montão de médicos e enfermeiras, que riam pra valer da minha ingenuidade. Meu primeiro beijo de amor foi inesquecível! Aprendi a não fechar os olhos.

Quinze anos. Namorava. Brigamos! Ferida, magoada, falava sem parar, queria que me provasse que me amava. Ele gesticulava, não o deixava nem murmurar uma defesa... Não teve dúvidas, calou-me com um beijo inesquecível, maravilhoso, como jamais alguém me beijou, nem ele próprio! Eu o carreguei para o altar e juntos ficamos até bem depois da morte o levar.

Mais de trinta anos. Viúva. Pós-graduação na PUC, Semiótica, Mestrado. Uma loucura de livros! Era Coordenadora Pedagógica no colégio, dia de comissão de classe com professores. Sexta-feira. Amigas me convidaram: Vamos dançar? Estava exausta, quase não sei dançar. Como fazê-lo? Me carregaram. Fui a contragosto. Fiquei sentada na mesa olhando. Observando os casais girando! E ali, do meio da multidão, ele veio, atravessou o salão, me pegou pela mão e me levou, sem nenhuma palavra. Deslizava meu corpo para todo lado. Só olhava para os olhos dele. Não sei se foi o mundo que parou ou ele. Só senti seus lábios nos meus... Momento mágico! Vi estrelas... Ninguém mais existia ali. Só nós dois. Não sei nem mesmo qual era a música que dançávamos, pois só ouvi a melodia do meu coração. Ficamos juntos por quatro anos. E até bem depois deste tempo eu o amei por demais.

Liz Rabello