quarta-feira, 29 de julho de 2015



UM ASSALTO INUSITADO



Dizem que senhorinhas são mais sinalizadas para assaltos do que jovens mulheres ou homens. Por isto já estou na casa de mais de dez!  À mão armada ou não, certeza é que bandidos gostam de me explorar. E isto não acontece somente agora, pois logo que me casei, quando lavei pela primeira vez minhas roupas do enxoval, novinhas em folha e as pendurei no varal, saí para as compras. Ao voltar cadê as roupas? Nunca mais as vi! Minto, vi, sim, dentro do ônibus, dias depois uma garota vestindo meu terninho. Era impossível coincidências, pois eu havia escolhido o tecido de gorgurão vermelho, os botões e mandado para uma costureira confeccioná-lo. Designer escolhido e criado por mim. Não havia cópias da China, baratinhas como hoje em dia. Nada fiz, embora a vida inteira tivesse ímpetos de rasgar as vestes daquela menina.

No último assalto jurei: “Não vou mais permitir que me façam de boba!” Assim quando meu filho perguntou-me se sabia onde estava o relógio dele e cogitou de que havia sido roubado, fiquei com a última versão na cabeça. Não costumo ir ao centro de carro. Difícil estacionar. Fui de ônibus. E qual não foi minha surpresa quando observei um rapaz muito bem vestido, com um relógio igualzinho ao do meu filho. Marca, cor, senti até o mesmo perfume. Uma raiva muito grande e a lembrança do passado inacabado a perseguir-me. Em frente ao Metrô Marechal, o rapaz desceu. Fui atrás. Minha arma: meu guarda-chuva! Dei-lhe muitas guarda-chuvadas em suas costas, chamando-o de ladrão e gritando que queria meu relógio de volta. Em pânico, o rapaz obedeceu. Arrancou o relógio do pulso e em minha mão livre o depositou, safando-se do guarda-chuva o mais rápido que conseguiu fugir.

Muito feliz cheguei em casa com meu prêmio pendurado na lapela. Meu terninho vermelho finalmente estava vingado! Mas quando olhei em cima da cômoda ali estava brilhando, translúcido, angelical relíquia perdida: um relógio exatamente igual ao que eu havia “assaltado” horas antes!

(Liz Rabello, In LUA NO CHÃO, Um Assalto Inusitado, página 26, Editora Essencial, 2015)