segunda-feira, 9 de setembro de 2024

 DNAS ENTRELAÇADOS

Tia Cláudia, noventa anos... Caçulinha da família... Irmã da minha mãe. Se minha mãe estivesse viva, estaria completando noventa e oito... Entrei no salão de festas e fui cumprimentando o meu passado... Entre rugas, rusgas e abraços, DNAs entrelaçados... Sorrisos e afagos: " Ei, é você, a filha da tia Nair?" Minha mãe era muito querida por todos... Um elo entre os irmãos. Quando pequenos, era ela quem os ajudava a se deitar, tirar a roupa, ir ao banheiro... "Nair, apaga a luz, Nair, acende a luz!" É só falar estas frases pras irmãs sorrirem e voltarem no tempo... Oitenta anos atrás... Tia Elza, minha madrinha, está com noventa e quatro. Lucidez e alegrias perfeitas... Começou o revoar de memórias: "Lembra de quando ganhei a viola e não queria, porque pensava ser um pernil de natal?" Renato grita exultante! E aquela viagem à Aparecida do Norte... cumprir promessas pela saúde do meu pai? Éramos dezenove dentro de uma Kombi.

Formamos um círculo ao redor de uma tela. Fotos girando numa retrospectiva de vida e eu me vi, me reencontrei comigo menina. Acendi as luzes do castelo do bolo de oitenta anos da festa do meu nono! Foi magia pura... 


Viajei pelas risadas nas danças de tarantelas e fandangos na festa de oitenta anos da vovó Adélia... Eduardo dizendo: "Como a gente era feliz!" E mais recente: a festa de casamento do Leandro, estilo caipira, no sítio do Pedro... 

Passei o domingo procurando fotos, principalmente de minha mãe... Uma saudade enorme!!!!!!!!!!! Encontrei a minha irmã, o meu pai, chorei, ri, por um mundo que não existe nas redes virtuais, saindo de álbuns de faz de conta continua tudo sendo verdade!!!!!!!! E jamais me esquecerei! 








Liz Rabello

MEDO
Até bem seus três aninhos, Juju se agarrava em minhas mãos ao passar pelas muretas de pingo de ouro da trilha para a lavanderia, puxadinho do churrasco, escada acima. Lá se soltava para se deliciar na cadeira de balanço. Enfrentava o medo novamente, descia as escadas e passava pelas muretas. Esquecia o sentimento e se soltava para colher jabuticabas e delas se enfastiar até se lembrar da última dor de barriga. Olhava para ela e me via dentro do meu próprio medo, na idade dela, até um pouco mais velha, quando andava, ou melhor, corria de pavor pelo corredor estreito, no meio dos chifres de boi, matéria prima dos cabos de guarda-chuva, fábrica dos meus ancestrais italianos, os Bonellos, na General Flores, Bom Retiro.
Da festa de oitenta anos do nono, duas coisas nunca saíram de minha memória: Primeiro, a magia do acender e apagar das luzes do castelo, um bolo, cujas janelas iluminadas, povoaram minha imaginação de encantos! E, segundo, meu pavor: meu primo mais velho me levou para o inferno da fábrica e me largou lá na escuridão, entre os chifres de boi...


Na foto, sou uma emburrada de bracinhos cruzados... Adivinha por que estava zangada? É que este primo maior me levou para a fábrica. A certa altura, apagou todas as luzes. Na escuridão, não encontrava a saída... Naquele corredor comprido, a saída era a mesma da entrada e eu seguia ao contrário, num beco que não tinha fim. A minha sorte foi uma voz ter me avisado. Penso que foi minha prima Margarete.
Liz Rabello


BONDE DO PASSADO
Juju passou o dia comigo. Pegamos um bonde novo, ou melhor, velho... Ela começou a me entrevistar:
- Vovó, você tem medo de barata?
- Hummmmm, claro que sim, mas enfrento, porque não consigo ficar em paz se não a mato. Para conseguir aplacar o medo, fico lembrando de quando era mocinha. Trabalhava nas Empresas José Giorgi. Era recepcionista. Tinha só treze anos de idade. Era tão criança que brincava de me segurar com as mãos uma em cada mesa do escritório e levantar o corpo balançando os pés. Numa destas brincadeiras, fui pega em flagrante pelo chefe. Gritei: "Uma barata!"... Até ele fugiu e eu caí na gargalhada.
Juju adorou a minha travessura e quis ver uma foto minha daquela época. Passamos a tarde vendo fotos antigas.
Liz Rabello