quinta-feira, 11 de dezembro de 2014




BOLINHO FRITO EM ÓLEO FRIO

Era um tempo sem computador. Máquina de escrever manual, nem eletrônica era, porque dinheiro não tinha não. Todo o salário ia para a PUC, a fim de pagar os créditos do Pós Graduação Mestrado em Comunicação e Semiótica. Fim de semestre e estava escrevendo a monografia de final de Curso. Se errasse era obrigada a começar tudo de novo. Estava aflita porque o prazo de entrega se aproximava. Coloquei o mais novo para dormir em minha cama (tinha uns dois anos, pouco mais). Já era viúva e meu filho mais velho dormia no sofá. Um lindo verde musgo de tecido aveludado com almofadas combinando. Lá pelas duas da manhã, ouvi um barulho estranho na sala. Larguei tudo e fui ver o que era. Por Deus! Que situação!

Meu filho mais velho era pura farinha no rosto todo, cabelos olhos, orelhas, ouvidos e tudo quanto era buraco melado de farinha grudada em óleo. Um saco vazio e uma lata inteirinha salpicada no sofá e nas lindas almofadas. Quem foi o autor da traquinagem? Meu filho mais novo, que me vendo ocupada fez do irmão bolinho frito em óleo frio.  Levei o mais velho ao chuveiro aos tapas para acordá-lo, porque temia por sua respiração. Além das roupas, sofá, almofadas e tapete, tudo se perdeu naquela noite fúnebre. Só salvei o menino que acordou aflito sem saber por que estava apanhando!

Até hoje agradeço a Deus pelo pequeno porte do autor da arte, que não alcançava o fogão, do contrário o irmão iria virar bolinho frito em óleo quente.

Já dizia o poetinha Vinícius de Moraes, em seu poema Enjoadinho:

Filhos...  Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
(...)

Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!


Liz Rabello