quinta-feira, 6 de julho de 2017

MEDALHA DE NOSSA SENHORA


Na caixinha de veludo vermelho
Cabem todas as lembranças
Tomar banho de caneca no fundo do quintal
Bater cara atrás das árvores


Brincar com bolhas de sabão
Acarinhar cãozinho de estimação
Sarar com beijos a dor do amiguinho maior



Guardar uma medalha de ouro
Sarar com saudades uma amizade sem fim


A gaveta jogada ao chão, casa todinha revirada, recibos destruídos da compra de um apartamento que nunca mais encontrei.  Quando vi meu quarto todo saqueado, a lembrança de minhas joias guardadas com tanto carinho dentro de um estojo de madeira, forrado de veludo vermelho, puído pelo tempo, foi a minha maior e grande perda naquele último assalto há doze anos atrás. Eu a perdi para sempre. Pensei com tristeza!  Ao tentar pegar a gaveta para recolocá-la em seu devido lugar, desmoronou em cima do meu pé.  O grito de dor não foi maior do que a alegria de vê-la: Eis que brilha no ar uma medalha de ouro de dezoito kilates. Enroscada no cantinho da armação da gaveta, desabou pelo chão, em constantes cascatas de ouro ao brilhar dos raios de sol daquela manhã. Os ladrões que entraram em minha casa, enquanto eu saíra para levar minha mãe à dentista, não conseguiram roubar de mim as memórias, muito menos a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima.



Eis que me abaixo e a pego e a coloco entre meus dentes, para sentir seu valor, na mesma cena de meio século atrás, imitando sem querer um gesto de meu pai. - “Filha, onde foi que você pegou esta riqueza? Olha, tem até o valor do ouro em dezoito kilates. Com espessura e tudo”! – Olhei para ele indignada. Na ingenuidade dos meus sete anos de idade só existia a bondade, o amor e a amizade. Como assim “pegou”?  Eu a tinha ganho no recreio do pátio do colégio estadual José Carlos Dias, local onde aprendia as primeiras letras. Menina tímida, pouco falava, mas meus olhos diziam tudo. Na dança do brilho deles, só havia lugar para o amor. Meu pai chamou minha mãe e ambos discursaram um diálogo que não captei. Ninguém mais tocou no assunto, só percebi que ele, como sempre fazia, me defendia e minha mãe me acusava. Só soube do quê, alguns dias depois, quando conheci na escola, onde estudava, pais de uma amiga de carteira.  Naquele tempo sentávamos em par. Eu adorava aquela companhia, que me ajudava nos estudos e na ampliação dos ingredientes do lanche. O dela era farto, o meu escasso. Minha mãe, a professora e aquelas pessoas falavam coisas que não conseguia entender. Daí ela chegou. Lá se vão mais de meio século de tempo em exaustão e tudo recordo com exatidão de fotografia. Menina linda, de óculos, alegre, dançando as pernas ao vento em sua saia plissada e cabelos em tranças. Parou ao meu lado e me beijou feliz, dizendo a todos simplesmente assim: “Meu pai é ourives e me deu permissão para presentear a minha melhor amiga com uma medalhinha de Nossa Senhora”.

Liz Rabello