MEDALHA DE NOSSA SENHORA
Na caixinha
de veludo vermelho
Cabem
todas as lembranças
Tomar
banho de caneca no fundo do quintal
Bater
cara atrás das árvores
Brincar com bolhas de sabão
Acarinhar cãozinho de estimação
Sarar com beijos a dor do amiguinho maior
Guardar uma medalha de ouro
Sarar com saudades uma amizade sem fim
Sarar com saudades uma amizade sem fim
A gaveta jogada ao chão, casa
todinha revirada, recibos destruídos da compra de um apartamento que nunca mais
encontrei. Quando vi meu quarto todo
saqueado, a lembrança de minhas joias guardadas com tanto carinho dentro de um
estojo de madeira, forrado de veludo vermelho, puído pelo tempo, foi a minha maior
e grande perda naquele último assalto há doze anos atrás. Eu a perdi para
sempre. Pensei com tristeza! Ao tentar pegar a
gaveta para recolocá-la em seu devido lugar, desmoronou em cima do meu pé. O grito de dor não foi maior do que a alegria
de vê-la: Eis que brilha no ar uma medalha de ouro de dezoito kilates.
Enroscada no cantinho da armação da gaveta, desabou pelo chão, em constantes
cascatas de ouro ao brilhar dos raios de sol daquela manhã. Os ladrões que
entraram em minha casa, enquanto eu saíra para levar minha mãe à dentista, não
conseguiram roubar de mim as memórias, muito menos a medalhinha de Nossa
Senhora de Fátima.
Eis que me abaixo e a pego e a
coloco entre meus dentes, para sentir seu valor, na mesma cena de meio século
atrás, imitando sem querer um gesto de meu pai. - “Filha, onde foi que você
pegou esta riqueza? Olha, tem até o valor do ouro em dezoito kilates. Com
espessura e tudo”! – Olhei para ele indignada. Na ingenuidade dos meus sete
anos de idade só existia a bondade, o amor e a amizade. Como assim “pegou”? Eu a tinha ganho no recreio do pátio do
colégio estadual José Carlos Dias, local onde aprendia as primeiras letras. Menina
tímida, pouco falava, mas meus olhos diziam tudo. Na dança do brilho deles, só
havia lugar para o amor. Meu pai chamou minha mãe e ambos discursaram um
diálogo que não captei. Ninguém mais tocou no assunto, só percebi que ele, como
sempre fazia, me defendia e minha mãe me acusava. Só soube do quê, alguns dias
depois, quando conheci na escola, onde estudava, pais de uma amiga de carteira.
Naquele tempo sentávamos em par. Eu
adorava aquela companhia, que me ajudava nos estudos e na ampliação dos
ingredientes do lanche. O dela era farto, o meu escasso. Minha mãe, a
professora e aquelas pessoas falavam coisas que não conseguia entender. Daí ela
chegou. Lá se vão mais de meio século de tempo em exaustão e tudo recordo com
exatidão de fotografia. Menina linda, de óculos, alegre, dançando as pernas ao
vento em sua saia plissada e cabelos em tranças. Parou ao meu lado e me beijou
feliz, dizendo a todos simplesmente assim: “Meu pai é ourives e me deu
permissão para presentear a minha melhor amiga com uma medalhinha de Nossa
Senhora”.
Liz Rabello