sábado, 5 de abril de 2014


FIDELIDADE, UM DIAMANTE QUE NÃO PODE PERDER O BRILHO!
PALAVRA MÁGICA

Real é o nosso pensamento
Sonhos a nortear este sentir
Sou o que tenho dentro da mente
E não o que tu consegues mentir
Sobre mim ou sobre ti!

Real é a faísca do instante
Aquilo que se projeta de mim
Para um vazio fora de ti
E não o que tu consegues captar
Sobre ti ou sobre mim

Diante da incerteza

O que é o mundo real
Ou o que é aparência
Fica apenas uma certeza
O que cabe dentro de mim

Tuas verdades não são as minhas

Minhas mentiras não são as tuas
Só que há uma ponte entre elas
Do meu EU para o SEU
A palavra mágica: AMOR



Sempre soube de minhas origens étnicas... Portuguesa, africana, por parte do meu pai e literalmente italiana por parte de minha mãe. Como sempre moramos junto ou pertinho demais dos meus avós maternos, não poderia deixar de ser: a macorranada, na quinta e no domingo. O nhoque feito em casa. As pizzas também, com grandes rodelas de tomate. Minha cor clarinha, que com facilidade avermelhava ao sol, cabelos soltos encaracolados e modos bem abertos, bem marcantes, gesticulantes. Mania italiana de falar alto, com as mãos e o corpo todo. Olhos verdes, clarinhos como os de meu nono, jamais negaram minhas origens marcantes deste povo, que aqui veio para trabalhar.
Meu avô era um homem bonito demais. Minha avó, muito ciumenta! Não eram um casal perfeito do meu ponto de vista infantil. Brigavam muito. Sempre por dinheiro! Lembro-me até hoje de como foi alegre o final de uma destas brigas em que vovô jogou em cima dela um montão de moedas e notas... Estas voando ao vento e eu e meus primos, correndo pelo quintal para resgatá-las e entregá-las à vovó triunfante! Finalmente conseguira abrir o colchão, onde vovô escondia seu tesouro, guardado e colhido de seu trabalho, de sol a sol!
Constantemente recebíamos visitas. Primos de minha mãe. Crianças lindas, bem arrumadas, filhos e netos dos irmãos de vovó. Eles eram ricos. Nós extremamente pobres. Não entendia o porquê daquela velha história de que o nono deixara toda sua fortuna aos irmãos de vovó e nada, absolutamente nada, para ela. E vovô repetia: “Dos Bonellos não quero nada!” E vovó retrucava: “É meu direito, sou filha tal e qual”.
Descobri que tudo
Pode ser muito lindo
Ou imensamente triste!
Palavras soltas
Perdidas nas lembranças
Apagadas da memória
Podem ser reinventadas
Costuradas com linhas
e agulhas da imaginação!



Quando a Globo, décadas atrás lançou uma novela, cujo tema foi imigração italiana para o Brasil, alguns pontos se iluminaram. Não sei bem distinguir qual é a verdade, nem mesmo sei o que é ficção daquilo que consigo costurar em minhas memórias. Vovó e sua família mais abastada aqui chegou para incrementar a industrialização iniciante. Como vieram com dinheiro, logo conseguiram um local no Bom Retiro para começar a indústria de cabos de guarda-chuva de chifres de bois. Já vovô veio com contrato assinado para trabalhar na lavoura, afim de substituir a mão de obra escrava negra, que se dissipava com o fim da escravidão. Ele, misturou-se aos já nativos negros. Aqui chegou apenas para “embranquecer” a população pobre brasileira. Em comum, meu avô e minha avó: apenas a nacionalidade, a idade, a loucura do amor da juventude e a paixão. Conheceram-se no navio. Amaram-se. Ela, quinze anos de idade apenas. Quando os nonos souberam, é claro, não permitiram o namoro. Mas nada os separou. Meu avô fugiu do contrato, não foi para o interior, como sugeria a primeira proposta, perambulou pelas ruas do Bom Retiro, sempre sondando o amor que sentia pela amada. Fugiram. Minha avó foi deserdada. Meu avô orgulhoso, só lhe deu aquilo que podia prometer: Amor, pobreza, honra e um montão de filhos. Dez! Casaram-se após o nascimento do meu tio mais velho. Na agonia da pobreza e da busca por melhores condições, conseguiram construir a casa própria, casar os filhos e crescer a família com netos e bisnetos.
Muitos anos se passaram, desde o início daquele amor eterno! Vovô ficou doente quando morreu de tuberculose o filho mais velho, aos vinte e quatro anos, após o Tio Mário, solteiro, quinze anos de idade, sofrer um ataque cardíaco e também vir a falecer. Vovô tremia pela casa, derrubando talheres e fazendo barulhinhos ao tomar a sopa com a colher. Aquilo irritava a todos, menos a ela, que continuou a cuidar dele até o último instante., amando-o com fidelidade absoluta. Depois que ele teve o derrame, que o imobilizou para sempre numa cama, sem poder locomover-se, minha tia ajudava a mãe a cuidar do meu avô: eram banhos, comida na boca, viradas na cama para não criar chagas pelo corpo... Um trabalho sem fim! Vovó já bem idosa, não fugia de suas obrigações de esposa, até aquela última semana que a morte veio buscá-lo. Ele entrou em estado de coma entremeado a lucidez periódica. Nestes momentos, ou naqueles, não o sei, só perguntava por uma tal de Maria e por um filho que tivera com ela. Vovó ouviu calada e calada afastou-se para nunca mais voltar ao lado dele. Não chorou sua desilusão, nem sua morte e calada ficou até o fim de seus dias.
(Liz Rabello - In INTERVALOS, Beco dos Poetas, 2013 - SP)