EU TE AMO, BOVÓ!
MINHA
PIMENTINHA
Juju está muito sapeca. Exageradamente
ligeirinha. Ontem passamos o dia juntas. Brincamos de passear na floresta enquanto
seu lobo não vinha. O lobo, ou melhor, a loba, era a Nina, a cachorra vira lata
de olhos doces e meiga, que faz tudo o que a Juju quer. E me deixava levantar
as orelhas e dizer: Pra que servem estas orelhas? - É PRA TE OUVIR MELHOR! - E
estes olhos grandes? - É PRA TE OLHAR COM AMOR. - E este focinho travesso? - É PRA
FUÇAR NAS TUAS COISAS! - E esta boca grandona? - É PRA COMER TUA MAÇÃ!!!!!!! E
Juju fugia e comia a maçã com alegria.
Ora brincávamos de esconde-esconde
e tudo quanto era lugar podia ser usado. Até a casinha de bonecas, que só cabe
ela e que queria eu me escondesse por lá. E pra explicar que eu não cabia? Sem
noção! Ela não consegue enxergar com exatidão. Outra vez eu era o túnel, de
pernas abertas onde ela podia passar com sua boneca. Queria porque queria que ela fosse o túnel e eu passasse por debaixo dele. Expliquei que eu não cabia, que o melhor seria ela
com uma de suas bonecas. Mas como queria fazer tudo sozinha, a boneca se enroscava em suas pernas. Foi daí que resolveu a questão. Inverteu a situação. As bonecas
ficavam em fileiras, inertes no chão, uma atrás da outra e ela as pulava de
pernas abertas. O túnel móvel era ela.
Quis brincar de jogar ovo.
E foi
daí que eu me assustei!
Correu pra me mostrar o que era
Uma bola de futebol
americano.
Jogamos um tempão.
Haja fôlego, então!
Quando decidimos que eu contaria
histórias foi um tremendo ritual, desde a escolha do livro à arrumação das
bonecas em círculo. E eu tinha que me sentar no chão. O livro escolhido por ela
em sua estante pessoal era uma história desconhecida por mim de um homem “asqueroso”,
que jogava lixo no mar. Comecei a ler para elas: Minha neta e suas filhinhas. – “Juju, você sabe o que significa asqueroso”?
– “Não, não sei, mas este homem é”! - E você,
vovó tem que fazer cara de nojo, assim, ó” - E me mostrava aquela carinha
linda, que jamais demonstraria nojo, de jeito algum. De repente zangou. Como
não entendesse o porquê, logo explicou: “Vovó,
você tem que contar e mostrar as fotos, não pode ler” - “Não é assim que se faz”!
- Como não conheço a história, contei do meu jeito e ela retrucou: “Você não
sabe ler, vovó” Pois é, fui duramente castigada por suas críticas. “Vou te
ensinar” - Foi sua frase predileta. Quando lavava as uvas, reclamou da penca já
quase terminada: “Puxa, vovó, você já comeu tudo”! - Eu nem chegara perto
daquelas uvas, que alguém já dera fim. Desconfio que foi o pai dela, que também
as adora. Ralhou com a faxineira, com as mãos na cintura, em pose de madame: “Ei,
você ATRAVANCOU a porta. É, usou esta palavra! E só tem dois anos e nove meses.
Como pode? - “E agora, como vou entrar neste banheiro”? - Isto porque a mocinha
havia colocado as cadeiras da cozinha no corredor de acesso à porta necessária,
para lavá-la. Queria porque queria abrir a bolsa da trabalhadora. Claro que não
deixei. Então abriu a minha e lá encontrou dois chocolates, um pra mim, outro
pra ela. – “Oba, vovó, posso ficar com os dois”? E um, não, dois felizes
obrigados quando lhe disse que podia, sim, ficar com os dois. A moça da limpeza
se aproximou e ela ofereceu, educadamente. A garota aceitou. Ao entregar, dava
que não dava. E escutou a frase que queria ouvir: “Se você quiser ficar com os
dois, não faz mal”. Saiu correndo, satisfeita da vida com os dois chocolates na
boca. Tudo bem, eram pequeninas e deliciosas barrinhas difíceis de dividir
mesmo com alguém. Ao fim do dia, quando Tamires já ia embora, se arrumou e veio
se despedir, não teve dúvidas: “Ei, você não pode pegar esta bolsa, é da minha
vó. Realmente era semelhante, igualzinha no tamanho, formato e com o mesmo couro
preto e opaco. A moça advertiu: “Não, esta é minha” – “Abre aí que eu quero ver”
– E ficou muito sem graça quando a garota apontou para a verdadeira da vovó, em
cima do sofá.
É difícil o diálogo com ela,
porque sai correndo e já apronta outra. Só tem algo que escuta bem: “Olha, vou
te levar para uma conversa particular dentro do banheiro”. É uma ótima frase de
efeito. E não sei o que ela pensa quando isto vem à tona. Só assim pra obedecer
a regras por alguns instantes.
Fizemos o almoço a quatro mãos e
ela me disse que meu tempero tem pouco sal, o que é verdade. E que eu não sei
fazer laranjada. Que não era pra usar tantas laranjas, mas sim colocar água.
Quando respondi que as mesmas já estavam murchas e deveriam ser aproveitadas,
calou-se. Mas não por muito tempo. A melhor do dia foi quando brincamos
de contar um, dois, três... Dedinhos da mão. Contava e olhava atentamente para minhas mãos: “Puxa, bovó, como elas
estão murchas” Ahhhhhhhhhhh! Juju, Pimentinha!
Liz Rabello