ALFABETIZAÇÃO...
UMA BRINCADEIRA!
Fui
alfabetizadora durante dezoito anos seguidos, num tempo em que meus filhos eram
pequenos e, eles próprios vivenciavam estes momentos de primeiros contatos com
a leitura e escrita.
Meu filho mais
velho me deixou traumatizada por conta de que problemas familiares me fizeram
optar por uma escola maternal para ele. Aos dois anos já estava frequentando o
Colégio Pato Donald, que funcionava dentro do prédio do São João Gualberto; e,
portanto, não era adaptado à criança tão pequena. Seus garranchos e rabiscos
iniciais eram pautados de conceitos como “PÉSSIMO”, “SEM CAPRICHO” ou outros
sinais de que quem o estava direcionando para os primeiros contatos com a
alfabetização não tinha a menor ideia do mal que fazia para uma criança de dois
aninhos. Se fosse hoje, eu o teria tirado daquele espaço num piscar de olhos.
Quando entrou para o ensino fundamental já estava farto de escola, carteiras,
lousas, lápis e cadernos. Reagiu como alguém que não tinha capacidade para
aprender. E tinha.
A diferença
entre os irmãos é de oito anos. Minha experiência negativa com o mais velho,
deixou-me cautelosa com o mais novo. Não o coloquei na escola maternal, mas sim
bem mais tarde. No entanto, por não ter com quem deixá-lo em casa, muitas vezes
eu o levava comigo para a sala de aula. Usava vários materiais para a
aprendizagem dos meus alunos e um deles eram os cartazes da Caminho Suave, a
Cartilha e os varais. Tinha um jogo velho que deixei em casa e o meu filho se
apropriou para brincar. Um dia eu o peguei no fundo do quintal pendurando os
cartazes no varal de roupas e ensinando as galinhas a ler:
RA
RE RI RO RU RUA!
SUAS
GALINHAS BURRAS!
Ri muito da
cena. E fiquei meditando se eu também não usava de brincadeiras para com meus
aluninhos pequenos da Rui Bloem, onde lecionava. Acredito que sim... Um deles
vivia me dizendo: “Já estou ficando cafuso... É muita letrinha pra me
torturar!”
É claro que as
galinhas jamais aprenderam a ler, mas o Rodrigo, sim! De tanto ensiná-las, quem
se auto alfabetizou, foi ele próprio. Certa vez me disse num repente: “Mamãe,
eu sei ler.” Abriu a Cartilha Caminho Suave e leu: LARANJA. Havia o desenho da laranja e eu menosprezei a leitura. “Oras, você leu a imagem” – E ele mudou a
página. Desta vez leu DADO. E novamente deduzi que a imagem é que decifrava o código.
Ele se irritou e leu SAPO... A mesma repetição dos fatos. Para me provar que
sabia ler não mudou de página, apenas leu uma das palavras da lição do sapo:
SALADA! Oras bolas e num é que era o SA do sapo, mais o LA da laranja, mais o DA
do dado???? Ele ficou realmente zangado e berrou: “EU SEI LER!” E leu a página
toda e depois outras páginas, enquanto muito emocionada eu o beijava de
alegria... pois jamais o ensinara, apenas o deixei brincando com todo aquele
material de alfabetização. Quando aos quatro anos eu o coloquei na escola
Chácara Mundo Feliz ele já sabia ler e escrevia muitas palavras que aprendera
sozinho por seu próprio interesse.
Isto me fez
aprender a ensinar! E, principalmente a refletir sobre o que é que eu ensinava
realmente quando queria ensinar algo que tinha em mente. Na verdade, não é o
conteúdo, nem o material que importa, mas o MODO como fazemos o nosso trabalho.
Liz
Rabello
GRATIDÃO