sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ELOS E PARALELOS

Gritava
Enfrentava
Venham
Podem me açoitar
Réguas voavam
Meninos de treze a quinze anos
Tomavam dores de duas meninas
Sem rosto, sem história
Mordidas que não doíam
O que sangrava
Era a mentira!

Um rosto apenas no meio das duas
Sem sorriso, sem maldade
Omisso!

Reunião na sala dos professores
Só um semblante conhecido: um diretor
Que com pais me agrediam
Mostrei as marcas de dentes
O espancamento por alunos ausentes
Réguas de tortura
Difícil minha profissão
Com tanto amor no coração
Injustiças em fartura
Que atire a primeira régua novamente
Quem aqui me conhece verdadeiramente
Todos saíram e nenhuma régua voou!

Outros rostos no meio da turba
Sem sorrisos, sem maldades
Omissos!

Voltei pra rotina deprimida
Açoitavam-me os flagelos
Da carreira quase finda
Quantas vezes sofri injustiças?
Tropa de choque, cães
Cavalaria, bombas
Explodindo ao som de hinos
Quantas vezes alguém me acusou?
Eu que tanto já ofereci a vida
Em prol do ensinar
Do amar, do aprender!

Eis que me vem à memória
 Outros rostos no meio da turba
Sem sorrisos, sem maldades
Omissos!

Sem nomes, sem identidades
Médicos, engenheiros,
Dentistas, enfermeiros
Fisioterapeutas, professores
Artistas, administradores
Jornalistas, publicitários
Estadistas, funcionários
Pais e mães de novos alunos meus
Que atire a primeira rosa
Quem na vida cresceu com ensinamentos meus
Pétalas perfumadas jorraram

Do túnel do tempo dos pensamentos meus!

Liz Rabello

PERIFERIA SANGRENTA

Levantou-se como num dia qualquer
Sem saber que deveria viver
Agradecer um bom momento melhor
Para um novo respirar acontecer
Beijou a criança que deixou a dormir
Café pronto, quentinho
Forma de agradar com sabor
 o marido que também acordou.

Saiu após banho sentir
Que um novo dia realmente começou. 
O sol tardou a raiar no horizonte
Pingos de aurora secar
No escuro a câmara a pegou
Na esquina deserta a solidão inundou.

Um vulto a vinha seguindo
Era a vizinha sem amor
Que dela morria de ciúmes
Pois seu amado olhos libidinosos a cobriam com ardor
Desejos que nem sequer nunca suspeitou
E a câmara a flagrou
Gestos de ódio consagrou.

Outro vulto a vinha seguindo
Era um jovem, cujos olhos não fechou
Madrugada toda pelas ruas andou
Atrás de crack, dinheiro
Ou outro sonho desesperador.
E ela seguia feliz
Triste trabalho cumprir
Nem reparou que a câmara o flagrou
Olhos de ódio consagrou.

Eis um terceiro vulto que vem
Este se apressa e aos outros deixa além
Late grunhidos de fome
Mas beija as mãos da garota que segue
Pois sem saber
A câmara a persegue
E o cãozinho registra também
Olhos de amor o consagrou.

Eis um quarto vulto que a segue
É a polícia que a todos persegue,
Seja mulher, homem, cachorro
Trabalhador, vadio ou sem vintém
E a câmara registra este vai e vem
Não se sabe para o que vem.

Um estampido
Um latido
Uma garota caída
Corpo de trapo na beira do asfalto
Mais uma que no trabalho não chega
Mais uma morte que a câmara não desvenda
É a não vida que se nega quase sempre na periferia sangrenta!


Liz Rabello
MASTIGANDO DOR


 Lama tóxica
Lama barrenta
Caudalosa lama
Que invade casas, quintais, pastos
Identidades, passado,
Trabalho,  cultura perdida
Matas, córregos, rios, mar adentro
Pescadores sem ganha pão
Índios dançam tristeza sem fim
Ondas gigantes em tubos de esgoto
Surfistas choram na areia maldita
Peixes agonizam a sua passagem
Tartarugas perdem habitat
Desovas prematuras não as deixam vingar
Transformando belezas exóticas
Em morte visceral
Enlameando vidas
Matando tudo o que é vida
Deixando sede em tudo que é lugar!

Liz Rabello



 

 

 

quarta-feira, 11 de novembro de 2015



OLHA PRA MIM

O que tu pensas sobre mim?
Como podes me julgar?
O que tu vês é apenas a carcaça
Corpo suado de sofrer
Aparências que me envolvem
Se tu olhas apenas pra fora
Nada enxergas!

Olhos além dos olhos
Intuição do coração
Belezas escondidas
Sorrisos ocultando tristezas
Avessos que nem sempre
Outra mente consegue mentir
Antes de desvendar!

Liz Rabello

(Lua no Chão, 2015)




NADA PARA MEU OLHAR

Olhe nos meus olhos
E verás a luz
Por trás das pálpebras
É puro amor

Real na dor
Sutil no apelo
Pleno desejo de fome ceder
Mas não envergo

Podes confiar amigo
Que sei conter-me
Fidelidade é meu traço único
União e afeto minha cumplicidade!

Sou capaz de dividir
Somar só se for afetos
Subtrair só dores
Multiplicar amores!

Entre todos sem arestas
Preconceitos nem pensar
Que eu só sei amar
Vem nada, nada para meu olhar!



Liz Rabello

terça-feira, 10 de novembro de 2015

GRITOS



CHORO PELOS PEIXES DE ÁGUA DOCE
QUE NO RIO DOCE BRILHAVAM
E AGORA NAS MARGENS APODRECEM...

CHORO PELO PARQUE ESTADUAL
BICHINHOS INDEFESOS
FAUNA DESTRUÍDA...

CHORO PELA POPULAÇÃO RIBEIRINHA
QUE SE ABASTECIA DE PESCA E ÁGUA LÍMPIDA
QUE AGORA FEDE E FOGE DO LODO...

CHORO POR TRABALHADORES
QUE AO LONGO DA VIDA
CONSTRUÍRAM
E NUM INSTANTE
TUDO PERDERAM!

CHORO PELAS MÃES QUE NADA SABIAM
DOS FILHOS SALVOS POR UMA HEROÍNA
POR HORAS DE TERROR ANGUSTIANTES DEMAIS!

CHORO POR HERÓIS ANÔNIMOS
QUE ARRISCAM A PRÓPRIA VIDA
PARA SALVAR DA LAMA INOCENTES SERES.

Liz Rabello






quarta-feira, 4 de novembro de 2015


SER SEU ANJO!
A vida é toda feita de poesia
Só é preciso descobrir as palavras
Tirá-las do anonimato indefinível
da ausência de significados e dar-lhes vida!
A cada conquista de uma comunicação saudável
nos fazemos felizes
e aumentamos o círculo de amizades
Irradiamos a todos uma nova luz,
que se faz presente!
Quero te emprestar minhas asas
para que possas voar mais alto
Águia suntuosa!
Aqui vou ficar, quietinha,
Gaivota solitária,
em terra firme,
apenas te olhando,
agradecendo por poder
ao menos em palavras,
ser seu anjo!

(Liz Rabello, in Mil Pedaços, Beco dos Poetas, 2012)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

CAMPANHA CONTRA A XENOFOBIA


MISTURA DE FRASCOS

Em minhas veias
Rolam sangue milenar
DNA vermelho
ETNIAS diferentes
CULTURAS diversificadas
Aprendidas dos meus ancestrais.

Italianos, africanos
Portugueses, índios
NACIONALIDADES...  Que importa?
Aqui dentro de mim
Se misturam os frascos
Onde a separação não existe!

Em hospitais não há rótulos
Se o bebê necessitar
Mãe Preta tem leite branco
Que multiplica alimentação
Pão e vinho de Cristo
Santa Ceia em comunhão!

Liz Rabello

segunda-feira, 19 de outubro de 2015


HÁ ROSAS POR TODO CANTO...  SÓ É PRECISO REGÁ-LAS...


Ana Paula Fernandes foi nossa grande descoberta na FLIM de Maringá. Lançou um livro bem oportuno nesta era de fascismo e violência. Ela escreveu um romance de 86 páginas, que aborda a questão do assédio sexual doméstico. Aninha tem apenas quinze anos e passou um ano pesquisando o tema antes de escrevê-lo.


HÁ ROSAS POR TODO CANTO...  SÓ É PRECISO REGÁ-LAS...


LETRINHAS ESSENCIAIS TEM A HONRA DE APRESENTAR SEUS NOVOS POETINHAS... "GRANDES ESCRITORES" : GUSTAVO GOMES E MATHEO ANGELO...







sábado, 10 de outubro de 2015


PARA AMADA MARION BALERA...
 UMA GUERREIRA QUE ESTÁ DE VOLTA!
FORÇA INTERIOR

Pode o sol escurecer
Tempestades e trovões no céu ranger
Mares ferozes em ondas gigantes enfurecer
A orla calma se tornar vento vorazA paz perder!

Pode a vida se esgotar
E de mim se retirar
A alma se entristecer
E eu ... Sozinha... Sozinha...
Só comigo mesma estar!

Há uma força interior
Ao som da música
E das letras de canções
Nada esquecido, tudo presente
Em meu ser nada ausente
Eu INTEIRA... Eis-me aqui!

Liz Rabello

sexta-feira, 25 de setembro de 2015



ARMADILHAS DO DESTINO

”Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e o mais Ele fará.” (Salmo 37)

O adolescente estava saindo da loja. Deu um abraço forte e beijou a mãe no rosto. Depois foi embora com o pai e eu já sabia que aquele homem era o marido da dona da loja.
         Retomamos o papo de onde havíamos parado. Eu contava sobre minha saúde e de como me cuidava para não engordar demais. Minha amiga já estava com quilos a mais e me afirmou com muita naturalidade que não se importava com isto, pois os remédios que tomara é que eram responsáveis pelo excesso de peso. Conversa vai, conversa vem e eis que me fala para qual motivo era aquele “tratamento”. Não conseguia engravidar. Os últimos resultados dos exames já diziam que nenhum medicamento reverteria aquela situação. Percebi no olhar dela uma mágica alegria ao ver os dois,  pai e filho abraçados, partindo para uma pelada de futebol no campinho mais próximo. Não consegui segurar minha curiosidade e detonei: como assim, não podem ter filhos? E aquele jovem, tão simpático, quanto lindo, quanto carinhoso, foi adotado? Os olhos dela se encheram de lágrimas e reavivando a dor, a memória se soltou.
AMOR
TECE
DOR
A (AUSÊNCIA DE) MORTE
AMORTECE (DOR)
AMORTECEDOR

O mecânico já havia avisado que os amortecedores não estavam bons. Precisavam ser trocados. Pneus carecas. “Este carro não tem condições de viajar”. Insistiram. Afinal Jundiaí é muito próximo da capital. Domingo. Pouco trânsito. Dito e feito.
A irmã de minha amiga chegou com o marido e o bebê de meses. Almoçou. Naquela semana havia desmamado a criança. Ele já estava tomando sopinha, mamadeiras de leite ninho, que foram cuidadosamente feitas pela mamãe feliz e prestimosa. Embora jovem, com apenas dezesseis anos, minha amiga curtia cada frase de ensinamento que a irmã mais velha casada e tranquila lhe passava. Riram muito e brincaram demais com o menino alegre, que quase não chorava, só sorria, bebendo em cada olhar os encantos da mamãe. O pai também participava de tudo com muito prazer. De longe era possível sentir a felicidade de todos. E como se possível fosse segurar o tempo, dele faziam proveito com a ternura de quem não quer que acabe nunca!
 A noite chegou tristonha, com garoa fina, asfalto gelado e escorregadio. A temperatura caiu de repente, consideravelmente. Até cobertores colocaram dentro do carro para aquecer o bebê.  Um tempão para arrumar tudo. Na despedida, beijos foram trocados, os avós à porta emocionados acenavam na partida. O carro se foi. Nem bem chegou à esquina, deu meia volta. O que será que esqueceram? Nada... Apenas a irmã mais velha, retira do carro sua maior preciosidade e deposita o bebê no colo de minha amiga e lhe diz convicta: “Cuide dele para mim, amanhã virei buscá-lo, está frio demais para esta viagem”.
Partiram tão depressa quanto jamais  voltaram. O bebê em despedida chorou de leve e como um presente de Deus permaneceu nos braços de minha amiga para sempre.


Liz Rabello