quarta-feira, 8 de novembro de 2023

PROJETO DA ANLPPB TROCA DE OLHARES APÓS LEITURA DE UMA OBRA LITERÁRIA

CARTA A MEU PAI

Estamos diante de duas pessoas. Um pai, completo, forte, realizado fisicamente, intelectual e monetariamente. Outro, uma criança, em total despreparo. Influenciado, sem se influenciar, cresce à revelia. Agora já adulto, só tem um sentimento para com seu pai: MEDO. Enfrenta o pavor e escreve uma carta.

Conta fatos do passado, tempestuosamente. Esta narrativa segue um tempo psicológico, onde tudo acontece nas malhas da memória. Um filho, que não deseja se eximir de suas culpas e escolhas, mas que ao longo da narrativa, culpa o pai o tempo todo. É um filho, que vivia em culpa, pela surra que nunca levou, graças à clemência do pai, pelos carinhos da mãe, que o socorria. De todos os lados ele desembocava na sua própria culpa.

Na VERDADE, um pai e um filho, nascem juntos, tiram diploma no mesmo dia. Cabe ao adulto, permitir- se, começar do zero, descer ao nível da criança e com ela crescer. Pensar: "Como é que a criança se sente e o que realmente aprende com minhas atitudes de adulto?"

Um momento marcante de minha leitura, foi o episódio da sede da criança (manha, vista pelo pai), e sua consequência, durma com sede ao relento. Com este ato, o pai ensinou o filho a ser obediente, a calar- se para o resto da vida. "A criança se cala, o adulto que ali mora, adquire um modo de falar entrecortado, gaguejante. E, finalmente silencia, a princípio talvez por teimosia, mais tarde, porque já não podia pensar nem falar."

Outro momento, seriam as refeições, "Façam o que eu mando e não o que eu faço".  O pai subestimava a inteligência do filho. Agia como se o mesmo só tivesse capacidade de ouvir e obedecer. Criança pensa, analisa, faz reflexão crítica.

Um pai que se utiliza da ironia, sem nenhuma afetividade. Eram tão poucos os momentos de afeto que o filho se lembra quando na sua última doença, o pai veio em silêncio vê-lo no quarto e ficou parado na soleira da porta, apenas esticou o pescoço para lhe avistar na cama e por consideração só fez um cumprimento com a mão. Naquele momento, filho chorou de felicidade, e chorava ainda, enquanto escrevia. 

De qualquer forma, não só pais, como também educadores precisam ler estas cartas, trazem relatos importantes sobre a educação dos jovens. O que mais educa? O exemplo ou o que se ensina. Quando era Coordenadora Pedagógica eu perguntava aos professores: O que você está ensinando, quando ensina o que quer ensinar

Liz Rabello

terça-feira, 22 de agosto de 2023



 LUZES DE HANAH
Hanna tinha medo do escuro. Mas não era um medinho qualquer... Era pavor. Não dormia se não fosse com luzes acesas, agarrada à mão de seus pais.
Certa noite, acabou a energia. Lua escondida não emitia clarão. Aliás resolvera brincar com as nuvens de esconde-esconde e ninguém a encontrava no céu.

Hanna fechou os olhinhos. Apertou bem as pálpebras.
Naquela noite, os pais não estavam. Foram a um jantar de trabalho. Tinham deixado a menina com a vovó, que bem na hora, estava tomando banho.

Enquanto ela se arrumava, Hanna foi abrindo os olhinhos bem devagar. E foi percebendo que a escuridão não era tão densa. Até vislumbrou um monstrinho lhe oferecendo flores.


Hanna esfregou-os até enxergar melhor. Era clarão de estrelas ou era o fogo do medo que estava se apagando?
Será que Hanna descobriu que a luz morava dentro dela?
Liz Rabello





domingo, 12 de março de 2023

 SEQUEI

Sedenta fiquei
triste arrebentei fileiras
erosões profundas
em terra ardente
Status de morte!
Eis que de súbito
uma corrente de ar,
mais fria,
ventos uivando,
derreto-me
pelas vertentes de erosão
do morro seco
e me lanço em ondas de choque
com águas que se precipitam rio abaixo,
transformo o nada do deserto
em terra verde!
Sou o sangue da Terra!
Sou Água!

Liz Rabello(2014)

quinta-feira, 2 de março de 2023

 


ODE AO FUTURO
Força
São fagulhas do Sol
Farol no horizonte
Girassóis
Giram em busca de menos dor
São guirlandas, calor
Na imensidão do infinito
Luz
Leveza
São ventos voláteis
Sinais de amor ao porvir
Ao passado,
Cabe o silêncio
Ventos levando o que foi
Ao futuro,
Cabe a esperança
A luz, os gritos de amor!
Liz Rabello

domingo, 12 de fevereiro de 2023

DESTAQUE NO TRIGÉSIMO OITAVO CONCURSO INTERNACIONAL DA ALPAS

HOMENAGEM À QUERIDA REJANE BONADIMANN 



O AMOR É AZUL

Estavam apaixonados. Ao luar, pertinho do mar, ela lhe dizia ao ouvido amorosamente: “O amor é azul, seu cheiro está impresso em minhas digitais. Sinto-o comigo. É como se nunca tivesse sido eu, sozinha, sem você... É como se este seu odor me aquecesse desde sempre.”

Não era a primeira vez que ela, tímida, se sentia assim. Às vezes, em álbuns de fotos antigas, vinha em sua mente a mesma cor do amor, o mesmo odor da bondade. Certa vez perguntou à mãe por que ela, sendo menina, vestia azul. E ouvira aquela mesma resposta: “Porque é a cor do amor.”

Eles se conheceram pelo virtual. Ela, oferecendo residência para quem estivesse precisando de moradia num intercâmbio cultural, nos Estados Unidos da América. Ele, procurando estadia, enquanto estivesse fazendo seu mestrado por lá. Ficaram amigos de imediato. Respeitoso, o sentimento foi crescendo, enquanto moravam juntos com toda a família dela, apoiando os estudos do rapaz. A mãe da menina, carinhosamente lhe fazia as melhores refeições, tudo o que se pode oferecer de bom no Brasil, país rico em Gastronomia e criatividade culinária.

A garota, que se expressava bem em três idiomas: Português, Inglês e Espanhol, não tinha nenhuma dificuldade em dialogar com o rapaz, que só conseguia se expressar na Língua Portuguesa. Ela passou a ajudá-lo nas leituras, nos trabalhos escritos e em tudo o que ele necessitava. A amizade foi crescendo. O amor cada vez mais era azul.

Um dia ele lhe perguntou: “Como foi que você conseguiu sair do Brasil e aprender tão bem o Espanhol e o Inglês?” – Ao que ela respondeu: “Saí do Brasil com poucos dias de vida e me mudei para a Espanha. Cresci falando duas línguas: a do meus pais e a do país que me abraçou. Mais tarde, já adolescente, viemos para os Estados Unidos e então, aprendi o Inglês.”

Não falaram mais sobre este assunto, embora as perguntas borbulhassem na mente do rapaz. Pela Internet, ele se comunicava com os pais, mostrava fotos da menina, da casa, falava da família, com muito amor. Até o dia em que se confessou apaixonado: “Eu me sinto como se o amor e nosso futuro já fosse escrito por mãos divinas.”

Os pais dele adoraram a foto da garota. Praticamente a mesma idade do filho, apenas alguns meses de diferença. Um dia perguntaram o nome completo dela e era bastante familiar aquele sobrenome. Mas Silva, no Brasil, é extremamente comum.

Certa noite, após o jantar, família reunida e um álbum aberto: fotos da Maria bebê, vestida de lindas mantas e casaquinhos de crochê, todos azuis como o céu. Numa nova conversa com os pais, pela Internet, Leonardo confessou: “Mamãe, Maria ama o azul. As fotos dela se parecem com as minhas. Será que você poderia me enviar algumas para eu matar minhas saudades de vocês e do meu passado?”

Pedido feito, ações concretizadas. Os pais choraram ao se lembrar daquele período mágico, em que receberam de Deus, tamanho presente! Quando Leonardo nasceu, seu enxoval todo azul, foi um encanto bordado e tricotado pelas avós materna e paterna. A mãe não tivera dúvidas ao doar tudo aquilo àquela bebê, que nasceria antes de que os pais embarcassem para a Espanha. A mãe, grávida, era sua babá e cuidava de seu primogênito com muito amor, enquanto ela terminava os estudos na Faculdade de Artes. A moça não tinha nenhuma peça para a criança que logo iria nascer. E também não tinha nenhuma possibilidade financeira de comprar algo, já que todas as economias do casal foram direcionadas para essa viagem de mudança de país. No novo lar, o marido já tinha emprego garantido. Nunca se comentou com o filho sobre este gesto. Até que, já adulto, ele quis saber o motivo de ter tantas lembranças em fotos e objetos e não existir nenhuma peça de roupa de quando o rapaz era bebê. Doação confirmada e esquecida nos retalhos minúsculos da memória.

Quando as fotos chegaram, o casal num uníssono de alegria teve o insight. Já não havia dúvidas: Ele, Leonardo; ela, Maria, estavam escritos nas estrelas, com as mesmas roupinhas azuis!

Liz Rabello


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

 

MEMÓRIAS EM BRANCO E PRETO
Ao me deparar com uma foto antiga de um rádio, viajei por minhas memórias. O nosso era movido à eletricidade, ficava em cima de uma geladeira e só funcionava no tranco. Era preciso lhe dar um tapa. Eu me lembro das novelas, de como a gente chorava, ouvindo as cenas trágicas. O mais incrível eram os jogos de futebol. Nunca consegui entender como papai decifrava aquela correria toda. Signos e bolas. Goleiros e jogadores. Árbitros e palavrões. Tinha muito dó da mãe dos juízes. Música? Memória de mel: "Que beijinho doce que ele tem. Depois que beijei ele, nunca mais amei ninguém." Anos mais tarde, na casa da esquina, uma TV para todos: Chico Buarque: Eu me lembro de chorar, emocionada pela minha gente humilde, diante de uma TV, apaixonada pelo brilho dos seus verdes olhos em branco e preto.
Liz Rabello

 

MUTAÇÕES DE PEDRAS
Estava na chácara e meu dente implantado caiu. Por sorte, intacto. Após escová-lo e guardá-lo com cuidado, telefonei ao dentista e marquei consulta às oito e trinta, para a quinta-feira. Levantei na quarta, cedinho, e fiz limpeza na chácara. Peguei estrada e voltei para a capital. Cheguei exausta e fui dormir. Descansei e acordei acesa. Não tinha sono. Coloquei o celular para me despertar às sete. Assim daria tempo para ir ao consultório.
Acordei onze e meia. Apavorada, corri ao banheiro, lavei o rosto. Escovei os dentes e pensei: "Vou assim mesmo, fora de hora, preciso retirar esta pedra do meu caminho". Nem quis banho. Coloquei a primeira roupa que vi à frente, e, ao pentear os cabelos, força do hábito, sorri para o espelho. Pasma, meu dente estava lá... Luzindo de novo!
Demorou para cair a ficha. Tinha acordado atrasada e ido ao dentista. Ao voltar, dormi tão profundamente, que apaguei da memória os últimos instantes.

Para piorar a história, estava procurando algo para pintar bolinhas num quadro. O cotonete era grande demais. Precisava de algo menor. Encontrei na minha bolsa um aparelhinho. O que seria aquilo? Não sabia o que era, muito menos de como viera parar dentro da minha bolsa. Pintei as bolinhas do meu quadro, sem pestanejar. De repente, passe de mágica, numa propaganda de aparelhos dentários, eis que aparece o aparelhinho, que servia para limpar dentes. Eu o ganhara de presente do meu dentista quando lá estive e me esqueci do fato.
Será que estou com começo de mal de Alzheimer?
Liz Rabello