sábado, 22 de julho de 2017


ALÉM DAS PEDRAS

De tempos a tempos
Me atiram pedras
Direções inesperadas
Pessoas más indesejadas
Como ondas gigantes do mar a bailar
Eu rochedo a me quebrar
Palavras tortas sangram rios
Torrentes de revoltas
Não as quero ouvir
Meus olhos buscam além das pedras
Muito embora elas sejam jogadas em mim
E agem como água benta
Tentando polir arestas
Mil vezes repito:
“Podem jogá-las
Construirei um castelo
Com Fernando Pessoa vou morar
À porta de ferros
Um jardim de pedras
De minha mente
Gramado verde a florir intensamente
E fazer valer a pena rolar pela vida”


Liz Rabello

terça-feira, 18 de julho de 2017


REBELDIA (*)

Perdemos os nossos direitos
Reforma trabalhista votada
CLT destroçada
Carteira assinada, nem pensar!
Agora virá a da Previdência
Sem SUS
Sem Farmácia popular
Com Planos de Saúde a aumentar
Sem emprego pra mais de catorze milhões
Sem moradias pra gente pobre a Deus dará
Sem aposentadoria antes dos setenta

E esta elite podre
Corrupta
Continua a gastar a gastar a gastar
De forma inútil e fútil
Que venham ovos
Que a paz se perca
Que não tenham sossego
Nem porra nenhuma pra comemorar

Liz Rabello

(*) Queda da Bastilha em Curitiba (14/07/2017 - 
Casamento da Deputada Maria Victória Barros, conhecida como "Camburão" 

Parabéns ao fotógrafo Lineu Filho que captou a essência do nosso país!



Nossa indústria bélica: Homem bomba em ação

segunda-feira, 17 de julho de 2017


FACE DA DOR

Estive num lugar
Onde minha alma e meu coração
Jamais queriam estar
Quando nossos olhos se encontraram
E nossos braços em abraço
Aos prantos
Por segundos
Se entrelaçaram
Eu vi a verdadeira face da dor
Não há como explicar com palavras
E eu que tenho tanto enlace com elas
Emudeci e meu coração virou cinzas

Liz Rabello

sábado, 15 de julho de 2017


A ONDA QUE APRISIONA O HOMEM

Sábado fui ao Dia da Família na escola em que minha netinha está frequentando. Em lugar das professoras olharem as crianças brincando no parque infantil da CEI, os pais ocupavam esta tarefa. Começavam a fotografar os próprios filhos com seus celulares, enviavam aos amigos as belas fotos, depois liam as respostas e se esqueciam das crianças. Salvei uma de um ano e meio mais ou menos de cair embaixo da balança no ar em que minha netinha brincava comigo.
Liz Rabello

TEMPOS ESTRANHOS

Estava no salão de beleza. Por ser sábado, muita gente por lá. Mamães e titias e babás atenciosas e amorosas com suas crianças. Era aniversário de seis aninhos de uma princesa, Maria Eduarda, sendo cuidada pela babá como se fora a própria mãe a lembrar de todos os detalhes de como deveria ser o penteado, para que a tiara valorizasse o rostinho de traços perfeitos da menina educada.  Trançava as pernas delicadamente na cadeira e sorria a cada movimento que a fazia mais bela ao próprio olhar.

A segunda criança, por volta de um ano e meio, me encantou. Descendente afro, os cachinhos desciam pelo rosto puro, olhos grandes e negros. Alegres e perspicazes diante do mundo que desbravavam. A tia lhe ensinava a usar o celular, cantava junto com os desenhos animados canções que conheço bem, porque tenho o hábito de cantar pra minha neta. A mãe, grávida de oito meses, também se revezava e brincadeiras como a canoa virou por deixá-la virar, nas pernas que embalavam a bebê, inundavam de alegria o rostinho puro da menina e o meu olhar.

A terceira criança, que logo completará dois anos, era uma pestinha, levada da breca, igualzinho uma garota que conheço muito bem, a Juju, minha netinha. Ou pelo amor que tenho a minha princesa, ou pelo fato de gostar mesmo de crianças e com elas ter convivido minha vida inteira, por ter sido professora, nada que aquela doçura fizesse poderia me irritar. Mesmo quando pegou minha bolsa e a virou de pernas pro ar, abandonando tudo por ali, a Deus dará. Todos correram em meu auxílio e os objetos foram repostos à bolsa com a devida urgência que o caso requeria. Estranhei a frieza da mãe, mas...  Tudo bem, afinal estava fazendo as unhas, com as mãos ocupadas. Logo a seguir, com a ligeireza das artes infantis, a chupeta voou pelos ares, caiu ao chão e foi imediatamente colocado de volta à boca da neném, sem sequer ser lavada, embora o salão não estivesse nada limpo.  Percebi a barriguinha grande da criança, sinalizando que não poderia estar saudável. Troquei olhares reprovativos com a dona do Salão e viramos a página. Às vezes é melhor se calar.

A mãe continuava a se embelezar. Nada reprovável, todos estávamos ali para cuidar da aparência, inclusive eu. Foi então que a menina correu e pegou algo da mão da mãe, que imediatamente retrucou: “Me dá, senão te bato” – A menina continuou correndo e subiu no sofá desajeitada. Ambos voaram pelos ares. A mãe correu, derrubou a manicure. Esmaltes, água, acetona, tudo pelo chão, mas a mulher conseguiu o que queria. Salvou da queda... O celular, enquanto a criança se estatelava pelo chão!

Liz Rabello

quinta-feira, 13 de julho de 2017


Manifestação?
Greve?
Tomar as ruas?
De nada adianta
Quem vê morador de rua?
Coletor de lixo?
Reciclador de papéis?
Camelô de periferia?
Artista de circo no farol?
Usuários na Cracolândia?
Filas de desempregados?

MISÉRIA, MISÉRIA PRA TODO LADO

Recepcionista de balcões?
Motoboys cruzando o tempo na fúria?
Professor da Rede Pública?
Secundarista de escola pública?
Brancos pobres,
Negros mulatos,
Pardos garis
Somos todos iguais
Somos povo

INVISÍVEIS!
ESQUECIDOS!

E povo não é gente
Para a elite que não sente
Pra gente boba que se mente
E se acha acima da pobre gente
Que se estatela no asfalto desta cidade

Liz Rabello

quinta-feira, 6 de julho de 2017

MEDALHA DE NOSSA SENHORA


Na caixinha de veludo vermelho
Cabem todas as lembranças
Tomar banho de caneca no fundo do quintal
Bater cara atrás das árvores


Brincar com bolhas de sabão
Acarinhar cãozinho de estimação
Sarar com beijos a dor do amiguinho maior



Guardar uma medalha de ouro
Sarar com saudades uma amizade sem fim


A gaveta jogada ao chão, casa todinha revirada, recibos destruídos da compra de um apartamento que nunca mais encontrei.  Quando vi meu quarto todo saqueado, a lembrança de minhas joias guardadas com tanto carinho dentro de um estojo de madeira, forrado de veludo vermelho, puído pelo tempo, foi a minha maior e grande perda naquele último assalto há doze anos atrás. Eu a perdi para sempre. Pensei com tristeza!  Ao tentar pegar a gaveta para recolocá-la em seu devido lugar, desmoronou em cima do meu pé.  O grito de dor não foi maior do que a alegria de vê-la: Eis que brilha no ar uma medalha de ouro de dezoito kilates. Enroscada no cantinho da armação da gaveta, desabou pelo chão, em constantes cascatas de ouro ao brilhar dos raios de sol daquela manhã. Os ladrões que entraram em minha casa, enquanto eu saíra para levar minha mãe à dentista, não conseguiram roubar de mim as memórias, muito menos a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima.



Eis que me abaixo e a pego e a coloco entre meus dentes, para sentir seu valor, na mesma cena de meio século atrás, imitando sem querer um gesto de meu pai. - “Filha, onde foi que você pegou esta riqueza? Olha, tem até o valor do ouro em dezoito kilates. Com espessura e tudo”! – Olhei para ele indignada. Na ingenuidade dos meus sete anos de idade só existia a bondade, o amor e a amizade. Como assim “pegou”?  Eu a tinha ganho no recreio do pátio do colégio estadual José Carlos Dias, local onde aprendia as primeiras letras. Menina tímida, pouco falava, mas meus olhos diziam tudo. Na dança do brilho deles, só havia lugar para o amor. Meu pai chamou minha mãe e ambos discursaram um diálogo que não captei. Ninguém mais tocou no assunto, só percebi que ele, como sempre fazia, me defendia e minha mãe me acusava. Só soube do quê, alguns dias depois, quando conheci na escola, onde estudava, pais de uma amiga de carteira.  Naquele tempo sentávamos em par. Eu adorava aquela companhia, que me ajudava nos estudos e na ampliação dos ingredientes do lanche. O dela era farto, o meu escasso. Minha mãe, a professora e aquelas pessoas falavam coisas que não conseguia entender. Daí ela chegou. Lá se vão mais de meio século de tempo em exaustão e tudo recordo com exatidão de fotografia. Menina linda, de óculos, alegre, dançando as pernas ao vento em sua saia plissada e cabelos em tranças. Parou ao meu lado e me beijou feliz, dizendo a todos simplesmente assim: “Meu pai é ourives e me deu permissão para presentear a minha melhor amiga com uma medalhinha de Nossa Senhora”.

Liz Rabello