TATUZINHA TATUADA DE AMOR
Amo o frio pra dormir
bem enroladinha em mim mesma
É bom demais virar uma bolinha
Uma tatuzinha tatuada de amor
Eram tempos de começo. Pouca experiência de vida. Muito jovem comecei a
lecionar e minhas turmas eram de pequeninos.
As primeiras letras eram ensinadas com carinho. Tinha uma relação amorosa com minhas crianças
e muitas vezes trocávamos sentimentos maternais. Eram lúdicos e agradáveis os
beijinhos de “Boa Tarde”, de “Até
amanhã, professora!” Ficava no portão parada na despedida dos turnos para que
um por um me abraçasse e me desse o famoso “tchau” com beijinho no rosto.
Um dia uma menininha, loirinha, cabelinhos encaracolados me esperou e por
último disse-me ao ouvido: “Faz tempo que não durmo, professora, você sabe,
minha mãe morreu e eu não consigo mais fechar os olhos, tenho medo e saudades
dela.” - Emudeci e não só a beijei como lhe dei um abraço bem apertado e as
primeiras palavras que brotaram foram aquelas:
“Lembra do tatuzinho, que vimos hoje no jardim, durante a aula de
Ciências? Pense na mamãe e “se abrace”,
fique bem enroladinha, feito uma bolinha tatuada de amor... Feche os olhos e durma! Não sei se consegui vê-la indo embora
sorrindo e enrolando os próprios pés pela calçada, pois meus olhos teimaram marejar.
E chorei.
Dia seguinte lá vejo a menina, uma das primeiras a me esperar na sala.
Olhinhos brilhantes de alegria: Professora, dormi a noite inteira! Foi a frase mais linda que ela balbuciou pra
mim. Não, não foi. Na verdade, algumas
semanas depois, estávamos lendo juntos “O Menino Maluquinho”, quando parei
naquele trecho em que os pais se separam e o garoto descobre a fórmula da
felicidade e da compreensão com os versos do Ziraldo:
TEORIA DOS LADOS
Todo lado tem seu lado
Eu sou o meu próprio lado
E posso viver ao lado
Do seu lado que era meu.
Pedi às crianças para decifrarem os versos com algum gesto, palavras, desenhos. Alguém tem alguma ideia?
Cristiane levantou a mãozinha timidamente e me falou: “Posso mostrar aí
na frente?” - E veio e se enrolou com os
bracinhos finos dizendo os versos que um dia eu lhe ensinei. “Perdi meus lados,
professora, quando aprendi a dormir de tatuzinho.”
Não sei se a classe entendeu, mas nós duas nos abraçamos e eu novamente chorei.
Liz Rabello
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