TIPOS DE RIMAS; ESDRÚXULAS, PRECIOSAS E RICAS
PROPAROXÍTONAS
Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto.
As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico.
Estão para as outras palavras assim como os mamíferos para os artrópodes.
As palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às célebres.
Se o idioma fosse um espetáculo, permaneceriam longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo.
Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto - e, despóticas, ainda exigem acento na sílaba tônica!
Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
O inclinado e o íngreme.
O irregular e o áspero.
O grosso e o ríspido.
O brejo e o pântano.
O quieto e o tímido.
Uma coisa é estar na ponta – outra, no vértice.
Uma coisa é estar no topo – outra, no ápice.
Uma coisa é ser fedido – outra é ser fétido.
É fácil ser valente, mas é árduo ser intrépido.
Ser artesão não é nada, perto de ser artífice.
Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice.
(Este último parágrafo contém algo raríssimo: proparoxítonas que rimam. Porque elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da gramática.)
Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas.
É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo.
O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido.
Da mesma forma, errar é humano. Épico mesmo é cometer um equívoco.
Escapar sem maiores traumas é escapar ileso – tem que ter classe pra escapar incólume.
O que você não conhece é só desconhecido. O que você não tem a mínima ideia do que seja – aí já é uma incógnita.
Ao centro qualquer um chega – poucos chegam ao âmago.
O desejo de ser uma proparoxítona é tão atávico que mesmo os vocábulos mais básicos têm o privilégio (efêmero) de pertencer a esse círculo do vernáculo – e são chamados de oxítonos e paroxítonos. Não é o cúmulo?
EDUARDO AFFONSO
Arquiteto, escritor e colunista do jornal "O Globo".
LÍngua e Tradição
SPINA (Nova Forma Poética)
CRÔNICA, ASSAZ CRÔNICA
Escritor, esdrúxulo, faz
da proparoxítona, uso!
Afastando místico bolor.
Ímpetos de rir: lépido, esquelético,
célere texto. Na prática: paroxítona?
Oxítona? Ausentes do artístico labor.
Canto épico, leitura anêmica, lápide,
fórmula antigo sarcófago do criador.
Liz Rabello
NOSSAS PROPAROXÍTONAS GENIAIS
Uma
dupla sertaneja, Alvarenga & Ranchinho, já tinha feito o mesmo, cerca de 20
anos antes de Chico Buarque. Lançado há 50
anos, no início de 1971, o LP Construção, de Chico Buarque, ainda hoje é
considerado um dos grandes discos da história da música popular brasileira.
Quinto LP de Chico, foi lançado após seu exílio voluntário na Itália, que
perdurou por cerca de 14 meses. Quando de seu retorno, em 1970, Chico já havia
lançado um compacto simples, contando com “Apesar de Você” no lado A e
“Desalento” no lado B.
Felizmente, os
censores da época não consideraram de início essas duas canções obras
“subversivas” e as liberaram. Uma surpresa, inclusive para o próprio Chico. Cem
mil cópias vendidas e a “ficha” caiu: “você”, de “Apesar de você”, não era uma
mulher mandona, autoritária, como o compositor sempre respondia a quem o
indagava. Descoberto o “erro”, a canção foi censurada, proibida de ser
veiculada pelas rádios e TVs, sendo os discos ainda não vendidos recolhidos
pelas forças de segurança.
Se
considerarmos o compacto “Apesar de Você”/”Desalento” como um aperitivo, o LP
“Construção” revelou-se um banquete de iguarias finíssimas, daquelas que, como
diria Vinícius de Moraes, “a pessoa, se fosse honrada mesmo, só devia comer
metida em um banho morno, em trevas totais, sonhando, no máximo, com a mulher
amada”.
Em dez canções
que compreendem exatos 31 minutos e 12 segundos, Chico nos oferece uma obra
definitiva, que nos marca “a ferro e fogo, em carne viva”. Mesmo 50 anos
depois, não há como sair incólume após a audição desse disco. Para Mauro Ferreira,
crítico musical, o LP Construção destaca-se pela coesão do repertório, pelo
pulso político desse cancioneiro inteiramente autoral e pela adequação dos
arranjos às dez músicas. Dentre elas, comento aquela que dá nome ao disco.
Versos
alexandrinos
Maravilhosa,
incomparável. Esses são alguns dos adjetivos que qualificam “Construção” de
Chico. Versos alexandrinos, todos eles finalizados em palavras proparoxítonas.
Para muitos,
“só Chico poderia fazer isso”. Realmente, Francisco Buarque de Hollanda é genial.
Ponto. Mas, em relação às proparoxítonas ao final dos versos, uma dupla
sertaneja, Alvarenga & Ranchinho, já tinha feito o mesmo, cerca de 20 anos
antes da construção buarqueana.
Formada em
1929 por Murilo Alvarenga, mineiro de Itaúna, e por Diésis dos Anjos Gaia,
paulista de Jacareí, a dupla iniciou sua carreira apresentando-se em circos no
interior de São Paulo. Em 1934, Murilo e Diésis foram contratados pelo maestro
Breno Rossi e passaram a se apresentar na Rádio São Paulo.
A carreira
consolidou-se após a mudança para o Rio de Janeiro, onde gravaram o seu
primeiro disco, em 1936, e passaram a integrar o grupo de atrações do Cassino
da Urca. Faziam enorme sucesso com a criação de sátiras políticas, o que lhes
valeu, também, uma série de prisões.
Sumiços
e rearranjos
A formação
original se desfez em 1965, quando Diésis abandonou definitivamente a dupla.
Sumiços anteriores já haviam ocorrido, quando então havia sido substituído por
Delamare de Abreu, irmão, por parte de mãe, de Murilo Alvarenga.
Com o
rompimento definitivo, um “terceiro” Ranchinho surgiu, Homero de Souza Campos,
conhecido também como Ranchinho da Viola e como “Ranchinho II” (apesar de ter
sido o “terceiro”). Homero cantou com Alvarenga de 1965 até o falecimento
deste, em 1978.
Mas e as
proparoxítonas? Elas estão presentes em “Drama de Angélica”, canção composta em
1949 por Murilo Alvarenga e M. G. Barreto, tendo sido um dos maiores sucessos
da dupla.
Reparem na
letra: são 12 conjuntos de textos e cada um deles tem oito versos, sendo que,
em praticamente todos eles, as últimas palavras são proparoxítonas.
Há algumas
poucas exceções, tais como “perplexo” e “convexo”, mas ao longo da canção isso
nem se nota, pois elas também se encaixam no ritmo estabelecido pela letra.
Ouça a música, a partir de 8’50’’, no programa Ensaio, da TV Cultura.
Drama
de Angélica (1949) – Murilo Alvarenga e M.G. Barreto
Ouve meu cântico
quase sem ritmo
Que a voz de um tísico
magro esquelética
Poesia épica
em forma esdrúxula
Feita sem métrica
com rima rápida
Amei Angélica
mulher anêmica
De cores pálidas
e gestos tímidos
Era maligna
e tinha ímpetos
De fazer cócegas
no meu esôfago
Em noite frígida
fomos ao Lírico
Ouvir o músico
pianista célebre
Soprava o zéfiro
ventinho úmido
Então Angélica
ficou asmática
Fomos ao médico
de muita clínica
Com muita prática
e preço módico
Depois do inquérito
descobre o clínico
O mal atávico
mal sifilítico
Mandou-me célere
comprar noz vômica
E ácido cítrico
para o seu fígado
O farmacêutico
mocinho estúpido
Errou na fórmula
fez despropósito
Não tendo escrúpulo
deu-me sem rótulo
Ácido fênico
e ácido prússico
Corri mui lépido
mais de um quilômetro
Num bonde elétrico
de força múltipla
O dia cálido
deixou-me tépido
Achei Angélica
já toda trêmula
A terapêutica
dose alopática
Lhe dei em xícara
de ferro ágate
Tomou num fôlego
triste e bucólica
Esta estrambólica
droga fatídica
Caiu no esôfago
deixou-a lívida
Dando-lhe cólica
e morte trágica
O pai de Angélica
chefe do tráfego
Homem carnívoro
ficou perplexo
Por ser estrábico
usava óculos
Um vidro côncavo
o outro convexo
Morreu Angélica
de um modo lúgubre
Moléstia crônica
levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia
todos os médicos
Foram unânimes
no diagnóstico
Fiz-lhe um sarcófago
assaz artístico
Todo de mármore
da cor do ébano
E sobre o túmulo
uma estatística
Coisa metódica
como Os Lusíadas
E numa lápide
paralelepípedo
Pus esse dístico
terno e simbólico
“Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza Helênica
Morreu de cólica!”
Obviamente, a genialidade de ambas as canções não está relacionada somente à presença das proparoxítonas, é muito mais do que isso.
Chico, em alguns poucos minutos, descreve o cotidiano de um operário da construção civil, com todas as suas mazelas e desencantos. As proparoxítonas funcionam como tijolos em uma construção mágica e trágica, em uma tensão crescente embalada pelo também genial arranjo do maestro Rogério Duprat.
Alvarenga e Ranchinho, por sua vez, nos remetem àqueles “causos” que ouvíamos de nossos pais, histórias das quais ansiávamos por conhecer o seu final, mesmo que trágico. Uma verdadeira novela, arrebatadora, com idas e vindas, em uma interpretação perfeita da dupla. Ao final, não há como não gargalhar, a despeito do “Drama de Angélica”.
Chico é um intelectual, com sólida formação cultural. Alvarenga é de origem humilde, iniciou a carreira em circo e se tornou símbolo da música caipira. Tão diferentes e tão geniais. Como diria Caetano Veloso, “salve o compositor popular” do Brasil.
José Paes de Almeida Nogueira Pinto é professor do Departamento de Produção Animal e Medicina Veterinária Preventiva, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, Campus de Botucatu. É assessor da Assessoria de Comunicação
e Imprensa da Unesp.
Na imagem acima, a dupla sertaneja Alvarenga & Ranchinho em apresentação no programa
Ensaio, da TV Cultura, de São Paulo, gravado em fevereiro de 1973. Foto: captada do vídeo do Canal da TV Cultura no YouTube.
o meu pulmão como mármore,
tragava ar pesado, imundo!
Árvore não rima com mármore
E o primeiro verso está com sílaba a menos. (Adilson Gonçalves)
Nos sites, vários, consta que são rimas. Como me dizia uma aluna do fundamental, alfabetização, seis aninhos: "cada dia, fico mais "cafusa"... (Liz Rabello)
Por sentir árvore em falta,
ar traguei pesado, imundo!
As considerações aqui são para trovas e as rimas devem ser perfeitas no som e na grafia. O que vale para Construção de Chico Buarque, magnífico, não vale para a trova. Nos sites, não são informações erradas, são inadequadas para a trova. Especialmente com proparoxítonas, a rima poética pode muito bem ser feita como você fez: árvore/mármore, pois a tônica é a mesma e a terminação também. Porém, para a trova, isso não vale, uma vez que uma letra é diferente: v/m. O maravilhoso Chico Buarque assim fez, bem como Alvarenga e Ranchinho. (Adilson Gonçalves)
Meu passado enigmático
é tão fácil de entender...
Para tantos, emblemático,
para mim, valeu viver!
MEDALHA DE OURO NO GRUPO COLAR DE TROVAS EM 21/08/2022
FESTA DOS MEUS AMIGOS NO GRUPO POETRIX, APÓS O OURO NA TROVA:
Esta rima esdrúxula, além da elisão *Obs*táculo... Foi minha prova dos nove... Chico, vôce é demais! Gratidão pela homenagem...
Com colar de trovas
Ante os obstáculos
Infinitamente Fé... Liz!
Ronaldo Ribeiro Jacobina
Lisboa-PT, 21/08/2022
No convite, um casamento!
Eram só nomes homônimos,
unidos em sentimento,
na ficção de nós anônimos.
Liz Rabello
Na tempestade frenética
fio do poste se suicida...
Na pós tormenta, sem ética,
Sol beija chuva sem vida.
Liz Rabello
RIMAS PRECIOSAS
São as rimas artificiais, feitas, forjadas, com palavras combinadas, tais como:
múmia / resume-a
vence-a / sonolência
pântanos / quebranta-nos
águia / alaque-a
Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos
eu fui o porta estandarte
Celio Grunewald
Buscar a felicidade?
De tanto fiquei nervoso,
que preciso agora já de
um cafezinho gostoso
Fernando Antonio Belino