terça-feira, 21 de dezembro de 2021

SINAIS DE UMA AMIGA SECRETA

Ela é uma grande atriz...
Num palco, compartilha água,
luz estrela por um triz,
Lua, oceano deságua.
Pouco usa a rede social,
mas quando está, ela arrasa!
com seu jeitinho “animal”,
mulher fatal, extravasa.
Adoro este seu sorriso,
expressão feliz sem igual,
estampa no rosto um riso,
uma alegria sem final.
Temos coisas em comum:
gosto de flor no cabelo;
ela é fora do comum,
enfeita até tornozelo.
Sempre presente em foto,
lindo e amável sorriso...
Minha amiga tem meu voto,
castelo de vida em riso.
Cabelos lindos ao Sol
primaveril estação,
tem no olhar, ponta de anzol,
te fisga com emoção.
Tem um gentil coração,
de natureza versátil,
sempre está em doação,
uma menina volátil...
Não sei que idade ela tem,
e nem me importa saber;
só sei que é jovem também,
um troféu a conhecer.
Conheço bem seu cantinho...
Por lá estive bem vês,
me recebeu com carinho,
até banho certa vez...
Esta dica é infalível!
Só descobre quem conhece
as regras do previsível:
banho frio não apetece.

Liz Rabello

sábado, 25 de setembro de 2021

 

Liz Rabelo publicou no Boletim Ibérico_ 25 Anos, n 180 _ RJ, julho a setembro de 2021.

Que surpresa maravilhosa!!!!!!!!!!!! Como agradecer tanto carinho? Gratidão eterna Carlos Frederico. Sempre em meu coração ❤

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

LUTO ILUSÓRIO

A última vez que eu a usei foi no lançamento de Quatro Estações no Sarau Urbanista Concreto, em finais de 2019. Eu a adoro. Uma túnica azul turquesa, de rendas, bordada. Só a uso em ocasiões muito especiais, como a troca de presentes de Amigos Secretos, no Bar do Julinho, Sopa de Letrinhas. Olhava a foto com saudades da “Bem-me-Claire”, Flor sem idade, da biblioteca inteira que ganhei de presente, todos livros solo desta maravilhosa escritora, e, é claro, com tristeza eu olhava a minha túnica azul turquesa.

Ia participar de uma Live, receberia um Prêmio “Personalidade Literária 2021”, da ALPAS. Queria estar bem na chamada, on line. Decidi que a usaria. Procurei, procurei, revirei os dois guarda-roupas. E nada. Virei a página, esqueci do assunto. 

Mais recentemente, eis que me vem à memória o ocorrido. Quando minha ajudante doméstica chegou, eu a fiz procurar em todo canto. Nada! Se não a achava fisicamente, comecei a vasculhar a minha memória. Eu me lembrava de um momento em que percebi que a roupa estava suada e precisava de um trato. Eu a coloquei numa sacolinha de supermercado branca, para levá-la para ser lavada. Num sábado, indo para Ibiúna, passei na lavanderia, que estava fechada. Como segui viagem, pensei que ela poderia estar na chácara. E logo que pude, lá fui eu, revirando tudo por lá e nada encontrando.

Numa noite, já triste e decepcionada, acordei me lembrando que ficara chateada por ter dobrado a roupa tão cara de qualquer jeito e, ao colocá-la no balcão da “LA- VAN- DE- RIA”, estar com os bordados amassados. Deu o insight! É lógico, está lá, eu me esqueci de ir resgatá-la de um longo confinamento. Esta Pandemia ainda vai me matar! Esperei o dia útil e logo ao amanhecer fui em busca da preciosidade. Nada existia em meu nome naquele local. Insisti tanto que a atendente perdeu a calma. Sem esperanças, voltei, desanimei e não mais procurei.

Eu sou de dormir às madrugadas e meu filho, ao contrário, passa-as acordado. Entre um sono e outro, abri o celular e, muito triste, contei a história toda a ele. Postei minha foto com a Claire, usando a túnica. E lamentei: “Eu adorava esta peça...”  Em tom de despedida!

“Ei, mãe, você não se lembra que me pediu para ir buscá-la na lavanderia? Está aqui no meu guarda-roupa. Amanhã eu te levo.”

Ah, se todos os lutos fossem assim!!!!!!

Liz Rabello

quinta-feira, 19 de agosto de 2021


Forte elástico do tempo,
detê-lo é tão impossível!
Não há um só passatempo
que segure o previsível.

Amanhece quer se queira,
quer não... Também anoitece;
o orvalho vem molhar beira
das folhas, quando alvorece.

Ontem a dor que eu sentia,
já não tem espaço em mim.
Junto ao Sol, vem alegria,
um dia após outro, enfim!

Liz Rabello

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

FAÇO PARTE DESTE LINDO VÍDEO... UMA REFLEXÃO POLÍTICA SOBRE NOSSAS AÇÕES.

PAISAGENS BRASILEIRAS – PROSA POÉTICA

O Brasil é uma nação múltipla em sua diversidade. De norte a sul do país maravilhosas paisagens se sucedem e encantam. Belezas naturais contrastam com extensas monoculturas, solo arrasado e degradação ambiental. Nosso povo humilde é explorado desde a colonização, e colonizados seguimos espoliados. A dualidade ruidosa entre a Natureza esplendorosa e a degeneração territorial é tema do filme “Paisagens Brasileiras”, dirigido por Eduardo Waack.

Esta é uma obra colaborativa e solidária, com uma extensa lista de participantes. A narrativa conduzida por treze leitoras, com seu sotaque peculiar, dá uma sonoridade colorida à mensagem ecológica, espiritualista, cósmica e política que ecoa do início ao fim. São poesias, são crônicas: é prosa poética. As imagens, pequenos filmes oriundos dos mais variados rincões, são de um encanto ímpar e exuberante. Colhidas por 24 pessoas cuja paixão comum é a terra pátria. Merecem destaque as fotografias do paranaense Leandro Taques, em preto e branco, intercaladas e pontuando as longas sequências e planos curtos. Na trilha sonora incidental, interpretada ao piano, alguns dos mestres dos séculos XIX e XX, cuja marca registrada é a brasilidade.

Assim é “Paisagens Brasileiras”, uma lembrança e um recado. Um esforço e uma dedicação — uma declaração de amor. Por uma ética na estética! A simples constatação de que é necessária uma mudança de rota e de pensamento, para que corpo e alma, pessoas & lugares, o Brasil e os brasileiros, tornem a reencontrar-se.

#poesia #prosapoética #videopoema

Poesia Viva — Eduardo Waack

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

 
ALFABETIZAÇÃO... UMA BRINCADEIRA!

Fui alfabetizadora durante dezoito anos seguidos, num tempo em que meus filhos eram pequenos e, eles próprios vivenciavam estes momentos de primeiros contatos com a leitura e escrita.

Meu filho mais velho me deixou traumatizada por conta de que problemas familiares me fizeram optar por uma escola maternal para ele. Aos dois anos já estava frequentando o Colégio Pato Donald, que funcionava dentro do prédio do São João Gualberto; e, portanto, não era adaptado à criança tão pequena. Seus garranchos e rabiscos iniciais eram pautados de conceitos como “PÉSSIMO”, “SEM CAPRICHO” ou outros sinais de que quem o estava direcionando para os primeiros contatos com a alfabetização não tinha a menor ideia do mal que fazia para uma criança de dois aninhos. Se fosse hoje, eu o teria tirado daquele espaço num piscar de olhos. Quando entrou para o ensino fundamental já estava farto de escola, carteiras, lousas, lápis e cadernos. Reagiu como alguém que não tinha capacidade para aprender. E tinha.

A diferença entre os irmãos é de oito anos. Minha experiência negativa com o mais velho, deixou-me cautelosa com o mais novo. Não o coloquei na escola maternal, mas sim bem mais tarde. No entanto, por não ter com quem deixá-lo em casa, muitas vezes eu o levava comigo para a sala de aula. Usava vários materiais para a aprendizagem dos meus alunos e um deles eram os cartazes da Caminho Suave, a Cartilha e os varais. Tinha um jogo velho que deixei em casa e o meu filho se apropriou para brincar. Um dia eu o peguei no fundo do quintal pendurando os cartazes no varal de roupas e ensinando as galinhas a ler:

RA RE RI RO RU RUA!

SUAS GALINHAS BURRAS!

Ri muito da cena. E fiquei meditando se eu também não usava de brincadeiras para com meus aluninhos pequenos da Rui Bloem, onde lecionava. Acredito que sim... Um deles vivia me dizendo: “Já estou ficando cafuso... É muita letrinha pra me torturar!”


É claro que as galinhas jamais aprenderam a ler, mas o Rodrigo, sim! De tanto ensiná-las, quem se auto alfabetizou, foi ele próprio. Certa vez me disse num repente: “Mamãe, eu sei ler.” Abriu a Cartilha Caminho Suave e leu: LARANJA. Havia o desenho da laranja e eu menosprezei a leitura. “Oras, você leu a imagem” – E ele mudou a página. Desta vez leu DADO. E novamente deduzi que a imagem é que decifrava o código. Ele se irritou e leu SAPO... A mesma repetição dos fatos. Para me provar que sabia ler não mudou de página, apenas leu uma das palavras da lição do sapo: SALADA! Oras bolas e num é que era o SA do sapo, mais o LA da laranja, mais o DA do dado???? Ele ficou realmente zangado e berrou: “EU SEI LER!” E leu a página toda e depois outras páginas, enquanto muito emocionada eu o beijava de alegria... pois jamais o ensinara, apenas o deixei brincando com todo aquele material de alfabetização. Quando aos quatro anos eu o coloquei na escola Chácara Mundo Feliz ele já sabia ler e escrevia muitas palavras que aprendera sozinho por seu próprio interesse.


Isto me fez aprender a ensinar! E, principalmente a refletir sobre o que é que eu ensinava realmente quando queria ensinar algo que tinha em mente. Na verdade, não é o conteúdo, nem o material que importa, mas o MODO como fazemos o nosso trabalho.

Liz Rabello

GRATIDÃO

terça-feira, 13 de julho de 2021

LETRAS ACORRENTADAS
Palavras dentro de mim
ficam aprisionadas,
liberto-as ao escrever,
mas se ninguém as lê
permanecem em cativeiro!
Preciso de você para me trocar,
dividir comigo o que sinto,
unir sombras alinhadas
projetadas contra luz.
Sou paixão, sou emoção,
mas minhas rimas incompletas
clamam por teus dedos
notas musicais fazer vibrar.
Sou fome de querer
nestas linhas inocentes,
e sem ti para as ler,
um deserto sem nascentes!
Dias sem auroras,
chuva de estrelas
sem noites para brilhar.
Madrugadas sem partidas,
sou sonhos, sem castelos,
não sou nada, sou sem asas,
porque sem ti,
como posso voar?
sem teus olhos,
como posso me soltar?
Liz Rabello (In Mil Pedaços, Editora Beco dos Poetas, 2012)

sábado, 10 de julho de 2021

FELIZ ANIVERSÁRIO, MEU AMOR!


Rafa, meu amor, nem acredito que você está completando dezenove anos. Eu me lembro, com exatidão de fotografia da sua meleca de bolo, de nossas brincadeiras procurando um amigo imaginário que estava escondido não se sabe onde e que nunca foi encontrado... Do Ludy, nosso cachorrinho de estimação, seu amiguinho inseparável, deixava-se até andar de motoca, bonzinho que só ele. Ou de quando você se jogava ao chão e me dizia, brincar de jogador "contundido"... De nossas farras com pintura a dedo, de nossos passeios ao cinema, ao shopping, ao Mac Donald. De como era bom te dar presentes, que você cuidava com muito carinho. De suas formaturas. De quando você leu para mim pela primeira vez... Olha a boquinha que lindo! Era uma historinha de uma vovó muito levada da breca e você me disse que era eu... Jamais me esquecerei daquela “rasteira” na quadra do condomínio da chácara. Mas nunca mais joguei bola com você... Tantas, tantas lembranças boas... Só tenho a agradecer a Deus, por ter me dado de presente: Você, meu rei! Te amo mais que chocolate! Feliz aniversário!

Liz Rabello


 

domingo, 20 de junho de 2021

A BELA E A FERA


Juju é a Bela, é claro, e Rafa é a Fera. Foi assim que minha neta pediu que lhe escrevesse uma história. Os dois são irmãos. E Rafa, mais velho que ela, doze anos, só pode ser a Fera, que vive melindrado por ter que amar e ceder aos caprichos da Bela. Esta menina folgada, apronta aos montes. Esconde o molho de chaves do irmão e culpa o Unicórnio, seu cachorrinho cavalinho cor-de-rosa, de ter feito esta coisa ruim. A Bela é uma fera. Dessas que só pensa em si mesma. A melancia, é toda dela! O pote de azeitona é todo dela. A salada de tomate é puramente, inteirinha, dela. Bela fera! E se acontece dela reclamar, quem leva bronca? A Fera, Rafael, sem história milagrosa para lhe retirar o rótulo. E como é que vai acabar esta história? Com o Rafael de castigo, porque perdeu a paciência com a Bela.

- Juju, você gostou?
- Não, isto é realidade, não é história...

Liz Rabello

sexta-feira, 28 de maio de 2021


TIPOS DE RIMAS; ESDRÚXULAS, PRECIOSAS E RICAS

PROPAROXÍTONAS

Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto.
As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico.
Estão para as outras palavras assim como os mamíferos para os artrópodes.
As palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às célebres.
Se o idioma fosse um espetáculo, permaneceriam longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo.
Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto - e, despóticas, ainda exigem acento na sílaba tônica!
Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
O inclinado e o íngreme.
O irregular e o áspero.
O grosso e o ríspido.
O brejo e o pântano.
O quieto e o tímido.
Uma coisa é estar na ponta – outra, no vértice.
Uma coisa é estar no topo – outra, no ápice.
Uma coisa é ser fedido – outra é ser fétido.
É fácil ser valente, mas é árduo ser intrépido.
Ser artesão não é nada, perto de ser artífice.
Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice.
(Este último parágrafo contém algo raríssimo: proparoxítonas que rimam. Porque elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da gramática.)
Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas.
É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo.
O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido.
Da mesma forma, errar é humano. Épico mesmo é cometer um equívoco.
Escapar sem maiores traumas é escapar ileso – tem que ter classe pra escapar incólume.
O que você não conhece é só desconhecido. O que você não tem a mínima ideia do que seja – aí já é uma incógnita.
Ao centro qualquer um chega – poucos chegam ao âmago.
O desejo de ser uma proparoxítona é tão atávico que mesmo os vocábulos mais básicos têm o privilégio (efêmero) de pertencer a esse círculo do vernáculo – e são chamados de oxítonos e paroxítonos. Não é o cúmulo?

EDUARDO AFFONSO
Arquiteto, escritor e colunista do jornal "O Globo".
LÍngua e Tradição
SPINA (Nova Forma Poética)

CRÔNICA, ASSAZ CRÔNICA

Escritor, esdrúxulo, faz
da proparoxítona, uso!
Afastando místico bolor.

Ímpetos de rir: lépido, esquelético,
célere texto. Na prática: paroxítona?
Oxítona? Ausentes do artístico labor.
Canto épico, leitura anêmica, lápide,
fórmula antigo sarcófago do criador.

Liz Rabello

NOSSAS PROPAROXÍTONAS GENIAIS

Uma dupla sertaneja, Alvarenga & Ranchinho, já tinha feito o mesmo, cerca de 20 anos antes de Chico Buarque. Lançado há 50 anos, no início de 1971, o LP Construção, de Chico Buarque, ainda hoje é considerado um dos grandes discos da história da música popular brasileira. Quinto LP de Chico, foi lançado após seu exílio voluntário na Itália, que perdurou por cerca de 14 meses. Quando de seu retorno, em 1970, Chico já havia lançado um compacto simples, contando com “Apesar de Você” no lado A e “Desalento” no lado B.

Felizmente, os censores da época não consideraram de início essas duas canções obras “subversivas” e as liberaram. Uma surpresa, inclusive para o próprio Chico. Cem mil cópias vendidas e a “ficha” caiu: “você”, de “Apesar de você”, não era uma mulher mandona, autoritária, como o compositor sempre respondia a quem o indagava. Descoberto o “erro”, a canção foi censurada, proibida de ser veiculada pelas rádios e TVs, sendo os discos ainda não vendidos recolhidos pelas forças de segurança.

Se considerarmos o compacto “Apesar de Você”/”Desalento” como um aperitivo, o LP “Construção” revelou-se um banquete de iguarias finíssimas, daquelas que, como diria Vinícius de Moraes, “a pessoa, se fosse honrada mesmo, só devia comer metida em um banho morno, em trevas totais, sonhando, no máximo, com a mulher amada”.

Em dez canções que compreendem exatos 31 minutos e 12 segundos, Chico nos oferece uma obra definitiva, que nos marca “a ferro e fogo, em carne viva”. Mesmo 50 anos depois, não há como sair incólume após a audição desse disco. Para Mauro Ferreira, crítico musical, o LP Construção destaca-se pela coesão do repertório, pelo pulso político desse cancioneiro inteiramente autoral e pela adequação dos arranjos às dez músicas. Dentre elas, comento aquela que dá nome ao disco.

Versos alexandrinos

Maravilhosa, incomparável. Esses são alguns dos adjetivos que qualificam “Construção” de Chico. Versos alexandrinos, todos eles finalizados em palavras proparoxítonas.

Para muitos, “só Chico poderia fazer isso”. Realmente, Francisco Buarque de Hollanda é genial. Ponto. Mas, em relação às proparoxítonas ao final dos versos, uma dupla sertaneja, Alvarenga & Ranchinho, já tinha feito o mesmo, cerca de 20 anos antes da construção buarqueana.

Formada em 1929 por Murilo Alvarenga, mineiro de Itaúna, e por Diésis dos Anjos Gaia, paulista de Jacareí, a dupla iniciou sua carreira apresentando-se em circos no interior de São Paulo. Em 1934, Murilo e Diésis foram contratados pelo maestro Breno Rossi e passaram a se apresentar na Rádio São Paulo.

A carreira consolidou-se após a mudança para o Rio de Janeiro, onde gravaram o seu primeiro disco, em 1936, e passaram a integrar o grupo de atrações do Cassino da Urca. Faziam enorme sucesso com a criação de sátiras políticas, o que lhes valeu, também, uma série de prisões.

Sumiços e rearranjos

A formação original se desfez em 1965, quando Diésis abandonou definitivamente a dupla. Sumiços anteriores já haviam ocorrido, quando então havia sido substituído por Delamare de Abreu, irmão, por parte de mãe, de Murilo Alvarenga.

Com o rompimento definitivo, um “terceiro” Ranchinho surgiu, Homero de Souza Campos, conhecido também como Ranchinho da Viola e como “Ranchinho II” (apesar de ter sido o “terceiro”). Homero cantou com Alvarenga de 1965 até o falecimento deste, em 1978.

Mas e as proparoxítonas? Elas estão presentes em “Drama de Angélica”, canção composta em 1949 por Murilo Alvarenga e M. G. Barreto, tendo sido um dos maiores sucessos da dupla.

Reparem na letra: são 12 conjuntos de textos e cada um deles tem oito versos, sendo que, em praticamente todos eles, as últimas palavras são proparoxítonas.

Há algumas poucas exceções, tais como “perplexo” e “convexo”, mas ao longo da canção isso nem se nota, pois elas também se encaixam no ritmo estabelecido pela letra. Ouça a música, a partir de 8’50’’, no programa Ensaio, da TV Cultura.

Drama de Angélica (1949) – Murilo Alvarenga e M.G. Barreto

Ouve meu cântico
quase sem ritmo
Que a voz de um tísico
magro esquelética
Poesia épica
em forma esdrúxula
Feita sem métrica
com rima rápida
Amei Angélica
mulher anêmica
De cores pálidas
e gestos tímidos
Era maligna
e tinha ímpetos
De fazer cócegas
no meu esôfago
Em noite frígida
fomos ao Lírico
Ouvir o músico
pianista célebre
Soprava o zéfiro
ventinho úmido
Então Angélica
ficou asmática
Fomos ao médico
de muita clínica
Com muita prática
e preço módico
Depois do inquérito
descobre o clínico
O mal atávico
mal sifilítico
Mandou-me célere
comprar noz vômica
E ácido cítrico
para o seu fígado
O farmacêutico
mocinho estúpido
Errou na fórmula
fez despropósito
Não tendo escrúpulo
deu-me sem rótulo
Ácido fênico
e ácido prússico
Corri mui lépido
mais de um quilômetro
Num bonde elétrico
de força múltipla
O dia cálido
deixou-me tépido
Achei Angélica
já toda trêmula
A terapêutica
dose alopática
Lhe dei em xícara
de ferro ágate
Tomou num fôlego
triste e bucólica
Esta estrambólica
droga fatídica
Caiu no esôfago
deixou-a lívida
Dando-lhe cólica
e morte trágica
O pai de Angélica
chefe do tráfego
Homem carnívoro
ficou perplexo
Por ser estrábico
usava óculos
Um vidro côncavo
o outro convexo
Morreu Angélica
de um modo lúgubre
Moléstia crônica
levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia
todos os médicos
Foram unânimes
no diagnóstico
Fiz-lhe um sarcófago
assaz artístico
Todo de mármore
da cor do ébano
E sobre o túmulo
uma estatística
Coisa metódica
como Os Lusíadas
E numa lápide
paralelepípedo
Pus esse dístico
terno e simbólico
“Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza Helênica
Morreu de cólica!”

OS TIJOLOS E OS “CAUSOS”
Obviamente, a genialidade de ambas as canções não está relacionada somente à presença das proparoxítonas, é muito mais do que isso.
Chico, em alguns poucos minutos, descreve o cotidiano de um operário da construção civil, com todas as suas mazelas e desencantos. As proparoxítonas funcionam como tijolos em uma construção mágica e trágica, em uma tensão crescente embalada pelo também genial arranjo do maestro Rogério Duprat.
Alvarenga e Ranchinho, por sua vez, nos remetem àqueles “causos” que ouvíamos de nossos pais, histórias das quais ansiávamos por conhecer o seu final, mesmo que trágico. Uma verdadeira novela, arrebatadora, com idas e vindas, em uma interpretação perfeita da dupla. Ao final, não há como não gargalhar, a despeito do “Drama de Angélica”.
Chico é um intelectual, com sólida formação cultural. Alvarenga é de origem humilde, iniciou a carreira em circo e se tornou símbolo da música caipira. Tão diferentes e tão geniais. Como diria Caetano Veloso, “salve o compositor popular” do Brasil.
José Paes de Almeida Nogueira Pinto é professor do Departamento de Produção Animal e Medicina Veterinária Preventiva, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, Campus de Botucatu. É assessor da Assessoria de Comunicação
e Imprensa da Unesp.
Na imagem acima, a dupla sertaneja Alvarenga & Ranchinho em apresentação no programa
Ensaio, da TV Cultura, de São Paulo, gravado em fevereiro de 1973. Foto: captada do vídeo do Canal da TV Cultura no YouTube.

Sentindo falta de árvore
respirei fundo profundo,
o meu pulmão como mármore,
tragava ar pesado, imundo!

Árvore não rima com mármore
E o primeiro verso está com sílaba a menos. (Adilson Gonçalves)

Nos sites, vários, consta que são rimas. Como me dizia uma aluna do fundamental, alfabetização, seis aninhos: "cada dia, fico mais "cafusa"... (Liz Rabello)

TROVA CORRIGIDA

Por sentir árvore em falta,
respirei fundo profundo,
meu pulmão logo ressalta
ar traguei pesado, imundo!
Liz Rabello


As considerações aqui são para trovas e as rimas devem ser perfeitas no som e na grafia. O que vale para Construção de Chico Buarque, magnífico, não vale para a trova. Nos sites, não são informações erradas, são inadequadas para a trova. Especialmente com proparoxítonas, a rima poética pode muito bem ser feita como você fez: árvore/mármore, pois a tônica é a mesma e a terminação também. Porém, para a trova, isso não vale, uma vez que uma letra é diferente: v/m. O maravilhoso Chico Buarque assim fez, bem como Alvarenga e Ranchinho. (Adilson Gonçalves)


Meu passado enigmático
é tão fácil de entender...
Para tantos, emblemático,
para mim, valeu viver!

MEDALHA DE OURO NO GRUPO COLAR DE TROVAS EM 21/08/2022


FESTA DOS MEUS AMIGOS NO GRUPO POETRIX, APÓS O OURO NA TROVA:

Esta rima esdrúxula, além da elisão *Obs*táculo... Foi minha prova dos nove... Chico, vôce é demais! Gratidão pela homenagem...


VINGANÇA BOA NA TROVOADA

Com colar de trovas
Ante os obstáculos
Infinitamente Fé... Liz!
Ronaldo Ribeiro Jacobina
Lisboa-PT, 21/08/2022


No convite, um casamento!
Eram só nomes homônimos,
unidos em sentimento,
na ficção de nós anônimos.
Liz Rabello


Na tempestade frenética
fio do poste se suicida...
Na pós tormenta, sem ética,
Sol beija chuva sem vida.
Liz Rabello

RIMAS PRECIOSAS

São as rimas artificiais, feitas, forjadas, com palavras combinadas, tais como:
múmia / resume-a
vence-a / sonolência
pântanos / quebranta-nos
águia / alaque-a

Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos
eu fui o porta estandarte
Celio Grunewald

Buscar a felicidade?
De tanto fiquei nervoso,
que preciso agora já de
um cafezinho gostoso
Fernando Antonio Belino