UMA EXPERIÊNCIA INSÓLITA
Descansar uns dias nas praias de
Ubatuba com sobrinhos amados é algo muito especial e esperado. Ficar com a
netinha e acompanhar seu crescimento também é.
Uma viagem assim tem dois ápices.
Difícil de escolher. A vida sempre nos oferece opções difíceis. Optei e fiquei triste, ainda mais por ter
sonhado com minha princesa. A netinha é
tudo pra mim.
Pela manhã, levantei da cama e
cumpri com todos os preparativos para a viagem. Decidi ir para Ubatuba. Após
cuidar de minha aparência física, fazer as compras, lá fui eu para um lava
rápido embelezar o carro, abastecê-lo, calibrar pneus, olhar o nível do óleo,
suprir água de todos os cantos. Almocei e segui viagem. Saí de casa por volta
das duas e trinta, passei por uma tempestade na Rodovia dos Trabalhadores, tão
forte que todos os carros, inclusive o meu, íamos a cinquenta ou sessenta por
hora. Fui bem até o último pedágio, já na Rodovia dos Tamoios. E foi aí que deu
pane no carro. Morreu. Algo ligado à
eletricidade. Como estava no Pedágio foi fácil o socorro chegar. Com ajuda dos rapazes que fazem este trabalho
de suporte ao viajante, estacionei no acostamento e aguardei o guincho para me
levar ao posto de gasolina mais próximo.
O pane ocorreu às cinco horas. Somente uma hora depois é que cheguei ao
Posto Espigão, no KM 60 da Tamoios. Acionei o meu seguro, solicitei um táxi
para mim, como é de direito pelo contrato com a seguradora, tomei um suco de
laranja, comi um lanche (especialidade do local) e esperei. Esperei por três
longas horas, até o taxista aparecer. Um
senhor de terno, muito respeitador, de ótima aparência. Depois de uma hora de
mais espera, eis que chega o carro guincho.
E eu, agradecendo a Deus por afinal tudo estar dando certo. Perdia a viagem com os sobrinhos, mas ganhava
momentos alegres com minha netinha. Nada é tão ruim quanto parece.
Já eram dez horas da noite de
sexta feira. Segui viagem com o taxista, de volta para minha casa. Começamos a
conversar. Descobri que era evangélico, homem de fé, trabalhador. Perguntou-me se eu conseguiria adivinhar sua
verdadeira profissão. Claro, não sabia. Era um Corretor de Imóveis, alguém que
até o golpe vendia quatro por mês e que ao fim de dois anos só conseguira quatro
ao ano e foi obrigado a mudar os rumos de sua vida. Agora trabalhava como
motorista de UBER. Mas tinha certeza de que tudo mudaria com o governo
Bolsonaro. E começou a tecer elogios ao mito. Este, sim, é dos bons... Um ministério formado por gente competente.
Veja o Ministro da Ciência e Tecnologia: UM ASTRONAUTA da NASA, um brasileiro!
Percebi que não poderia criticar alguém tão cego, mas não foi fácil me calar.
Tentei argumentar. Comecei pelas questões mais claras: ARMAS. Para que servem as armas? Para matar, não é? Algum cristão pretende matar outra
pessoa? Se não, por que se armar? E ele: “Para se defender. Se alguém entrar na
sua casa e ver que você tem uma arma, vai ficar com medo e não mais voltará”.
Retruquei: Não seria mais fácil voltar e roubar a sua arma? – “Não, em casa de
cristão, Deus não permite a entrada de bandidos” – Claro que argumentei: “Mas e
a primeira vez, por que Deus deixou?” Ele se irritou com minha pergunta e não a respondeu. Daí começou a falar sobre Dalmares
e de sua competência para angariar cristãos. Esta, sim, vai conseguir converter
os índios, pagãos convictos. Estremeci. “O senhor sabe que as ARMAS já estão
nas mãos da milícia, contratada por fazendeiros para matar os verdadeiros donos
das terras brasileiras?” – “Isto é coisa de fake News, notícias inventadas para
sujar a aparência do nosso líder” Quem está invadindo terras são os Petralhas e
despencou a falar mal dos movimentos dos Sem Terra. Mudou o foco e passou a jorrar impropérios contra a Dilma. Questionei: “Mas o senhor
não vendia quatro imóveis por mês no tempo dela?” A irritação dele aumentou. Pensei comigo,
preciso calar a boca. Mas era tarde demais. Encostou o carro no acostamento da
Dutra. Pasmem! Parou e começou a me
falar de como se livrou da polícia Paraguaia, quando o levaram para prendê-lo
por suspeita de roubo. Enquanto falava
me EXORCIZAVA. “SAI DE RETRO SATANÁS! EM NOME DE JESUS" – Transferia a fala ao policial direto
para mim. Apavorada eu me calei completamente. Seguimos viagem após eu afirmar
categoricamente que ele havia me convencido a não gostar da Dilma. De tudo o
que aconteceu de errado comigo nesta viagem, o pior foi ter conhecido este
homem de bem.
Liz Rabello