domingo, 27 de agosto de 2017


RESPOSTAS

Há uma revolução com armas
Há outras entre falsas religiões
Outras mais com ironias veladas:
Charges, desenhos, metáforas
Alvos merecidos: ovos, tomates
Papéis de dólares falsos
Em corruptos jogados
Outras nas ruas
Cartazes e multidões iradas
Andando cantando
Desatando nós
E se enrolando em vozes
E há esta: costurando dores
Afiando facas certeiras
Com palavras em vômitos
Jatos em páginas
Privadas dentro de livros

Escolha, é tua a opção!

Liz Rabello

sábado, 26 de agosto de 2017


EU TE AMO, BOVÓ!  


MINHA PIMENTINHA

Juju está muito sapeca. Exageradamente ligeirinha. Ontem passamos o dia juntas. Brincamos de passear na floresta enquanto seu lobo não vinha. O lobo, ou melhor, a loba, era a Nina, a cachorra vira lata de olhos doces e meiga, que faz tudo o que a Juju quer. E me deixava levantar as orelhas e dizer: Pra que servem estas orelhas? - É PRA TE OUVIR MELHOR!   -  E estes olhos grandes? - É PRA TE OLHAR COM AMOR. - E este focinho travesso? - É PRA FUÇAR NAS TUAS COISAS! - E esta boca grandona? - É PRA COMER TUA MAÇÃ!!!!!!! E Juju fugia e comia a maçã com alegria.


Ora brincávamos de esconde-esconde e tudo quanto era lugar podia ser usado. Até a casinha de bonecas, que só cabe ela e que queria eu me escondesse por lá. E pra explicar que eu não cabia? Sem noção! Ela não consegue enxergar com exatidão. Outra vez eu era o túnel, de pernas abertas onde ela podia passar com sua boneca. Queria porque queria que ela fosse o túnel e eu passasse por debaixo dele. Expliquei que eu não cabia, que o melhor seria ela com uma de suas bonecas. Mas como queria fazer tudo sozinha, a boneca se enroscava em suas pernas. Foi daí que resolveu a questão. Inverteu a situação. As bonecas ficavam em fileiras, inertes no chão, uma atrás da outra e ela as pulava de pernas abertas. O túnel móvel era ela.

Quis brincar de jogar ovo.
E foi daí que eu me assustei!
Correu pra me mostrar o que era
Uma bola de futebol americano.
Jogamos um tempão.
Haja fôlego, então!


Quando decidimos que eu contaria histórias foi um tremendo ritual, desde a escolha do livro à arrumação das bonecas em círculo. E eu tinha que me sentar no chão. O livro escolhido por ela em sua estante pessoal era uma história desconhecida por mim de um homem “asqueroso”, que jogava lixo no mar. Comecei a ler para elas: Minha neta e suas filhinhas.  – “Juju, você sabe o que significa asqueroso”? – “Não, não sei, mas este homem é”!  - E você, vovó tem que fazer cara de nojo, assim, ó” - E me mostrava aquela carinha linda, que jamais demonstraria nojo, de jeito algum. De repente zangou. Como não entendesse o porquê, logo explicou:  “Vovó, você tem que contar e mostrar as fotos, não pode ler” - “Não é assim que se faz”! - Como não conheço a história, contei do meu jeito e ela retrucou: “Você não sabe ler, vovó” Pois é, fui duramente castigada por suas críticas. “Vou te ensinar” - Foi sua frase predileta. Quando lavava as uvas, reclamou da penca já quase terminada: “Puxa, vovó, você já comeu tudo”! - Eu nem chegara perto daquelas uvas, que alguém já dera fim. Desconfio que foi o pai dela, que também as adora. Ralhou com a faxineira, com as mãos na cintura, em pose de madame: “Ei, você ATRAVANCOU a porta. É, usou esta palavra! E só tem dois anos e nove meses. Como pode? - “E agora, como vou entrar neste banheiro”? - Isto porque a mocinha havia colocado as cadeiras da cozinha no corredor de acesso à porta necessária, para lavá-la. Queria porque queria abrir a bolsa da trabalhadora. Claro que não deixei. Então abriu a minha e lá encontrou dois chocolates, um pra mim, outro pra ela. – “Oba, vovó, posso ficar com os dois”? E um, não, dois felizes obrigados quando lhe disse que podia, sim, ficar com os dois. A moça da limpeza se aproximou e ela ofereceu, educadamente. A garota aceitou. Ao entregar, dava que não dava. E escutou a frase que queria ouvir: “Se você quiser ficar com os dois, não faz mal”. Saiu correndo, satisfeita da vida com os dois chocolates na boca. Tudo bem, eram pequeninas e deliciosas barrinhas difíceis de dividir mesmo com alguém. Ao fim do dia, quando Tamires já ia embora, se arrumou e veio se despedir, não teve dúvidas: “Ei, você não pode pegar esta bolsa, é da minha vó. Realmente era semelhante, igualzinha no tamanho, formato e com o mesmo couro preto e opaco. A moça advertiu: “Não, esta é minha” – “Abre aí que eu quero ver” – E ficou muito sem graça quando a garota apontou para a verdadeira da vovó, em cima do sofá.


"VOU FICAR QUIETINHA, BOVÓ" - E AMARRA OS BRACINHOS 

É difícil o diálogo com ela, porque sai correndo e já apronta outra. Só tem algo que escuta bem: “Olha, vou te levar para uma conversa particular dentro do banheiro”. É uma ótima frase de efeito. E não sei o que ela pensa quando isto vem à tona. Só assim pra obedecer a regras por alguns instantes.


Fizemos o almoço a quatro mãos e ela me disse que meu tempero tem pouco sal, o que é verdade. E que eu não sei fazer laranjada. Que não era pra usar tantas laranjas, mas sim colocar água. Quando respondi que as mesmas já estavam murchas e deveriam ser aproveitadas, calou-se. Mas não por muito tempo. A melhor do dia foi quando brincamos de contar um, dois, três...  Dedinhos da mão. Contava e olhava atentamente para minhas mãos: “Puxa, bovó, como elas estão murchas” Ahhhhhhhhhhh! Juju, Pimentinha!

Liz Rabello

quinta-feira, 24 de agosto de 2017


O SEGREDO
Quando cheguei ela já estava aqui. Tinha quase dois aninhos, cabelos lisos, loiros e grandes olhos azuis, que sempre me encantaram. Papai tinha o hábito de nos presentear com bonecas parecidas conosco. Eu não queria a minha, morena, cabelos encaracolados, porque sempre desejei ser como ela. Eu gostava de bordar, ela não. Então fazia os trabalhos manuais para mim e para ela. Os dela eram mais belos e o dez que ela ganhava era um pouco meu. Brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, pular corda, passe o anel. Tomávamos banho com água numa lata de tinta que já estava limpa, esquentada em fogueira improvisada. Íamos lindas, iguaizinhas, laços de fita nos cabelos, pastilhas de hortelã para saborear durante as matinés do único cinema do bairro. Assistíamos TV comunitária no casarão da esquina, nas noites em que mamãe fazia o tradicional bolo de laranja. Crescemos grudadas, amigas.
UM SONHO MÁGICO
Foi lindo!  Ela entrou pela porta da cozinha, usava um colar de pérolas, cabelos já brancos, prateados, brilhantes ao sol. Sorria. E eu perguntei: “Você já sabe”? – Amainou a cabeça em afirmativa, sem parar de mostrar que estava muito feliz! Acordei bem, uma sensação de paz muito grande. E uma curiosidade sem limites. Qual era o segredo que o meu sonho guardava?
DESENTENDIMENTOS
Fiquei viúva cedo demais e ela, divorciada, nunca mais se casou. Viajávamos juntas, passava meus finais de semana, todos, ao lado dela e da minha mãe. Muitos anos assim. Era como que uma ponte entre as duas. Brigavam demais e eu sempre defendia nossa mãe e ia lá no ouvido dela apontar os seus erros, que devia ser mais compreensiva e complacente. Afinal, pela idade dela, pouco viveria e tinha o direito de ser quem era, com seus defeitos e alegrias. Elas moravam juntas e minha irmã detestava os bingos, os bolos de laranja, a casa repleta de vizinhos que vinham para se divertir. Ela só queria paz, sossego, pipocas, filmes na TV. Direito de descanso por ter trabalhado durante quase quarenta anos como gerente de Departamento Pessoal, em defesa dos empregados de várias empresas diferentes por onde andou. Depois da aposentadoria, com dinheiro do Fundo de Garantia e reservas guardadas por toda uma vida de sonhos, minha irmã abrira uma pequena lanchonete, com pastéis e caldo de cana. Tudo parecia andar bem até o momento em que sua mão direita fora pega de surpresa pela máquina de moer cana. Perdeu poucos movimentos, mas o suficiente para deixá-la triste, até porquê os negócios já não iam bem desde que um grande restaurante fora aberto logo em frente e roubara dela todos os clientes que antes vinham atrás de um marmitex barato e rápido. Não demorou muito a abrir falência e ser obrigada a fazer as contas dos funcionários. Honesta e defensora dos Direitos Trabalhistas, pagou tudo o que devia por lei para cada um deles. No entanto, uma das moças entrou na Justiça, conseguiu provar por A mais B, através de confissões falsas de testemunhas desonestas, que não havia recebido o que merecia. Alegava horas extras noturnas, num horário em que a dona não permanecia. Ganhou a causa e atrás dela, outros empregados vieram e minha irmã perdeu tudo o que tinha, inclusive o salário de aposentada ficou comprometido para pagamento em parcelas mensais destes quesitos judiciários, que perduraram até o último instante.
PRESSÁGIO
Em meu sonho as duas brigaram e minha irmã saiu da sala batendo a porta com muita força. Extremamente zangada. Minha mãe reclamou para mim: “Vês como ela me trata”? – Ao que respondi:  “Tenha paciência, minha mãe, pois ela vai morrer antes de ti”! - Acordei, e desta vez não foi a curiosidade quem mais massageou minha mente de surpresas, mas a dor. Era tão real, mas como?  Minha mãe já passara por poucas e boas. Por duas vezes havia sido diagnosticada com trombose. Da última vez até UTI por cinco dias, com trombo embolia pulmonar. Estava com mais de oitenta anos. E minha irmã, afinal, tinha saúde de ferro. Eu nunca a vi doente. E pra mim, até então, depressão não era tão grave assim.
DESPEDIDA
Às vezes o auxílio vem de quem menos esperamos. Programara uma excursão com meus alunos para o Museu do Imigrante. Organizara tudo com o maior capricho. Meses antes e naquela sexta-feira iria sozinha, com uma turma de trinta e cinco alunos da quinta série. Fizera todos os contatos e na hora “H”, eis a surpresa. Um telefonema rápido: “Filha, vem depressa pra cá, sua irmã está morrendo”! Atônita, fiquei sem saber o que fazer, o ônibus e os alunos já estavam a postos. Como estar em dois lugares ao mesmo tempo? Foi então que minha amiga se ofereceu: “Eu vou no seu lugar”. Era professora de Português no primeiro período da escola e a outra, quem se ofereceu, trabalhava no noturno e ali apareceu até hoje não sei como, nem o porquê. Dirigi a todo vapor para a casa de minha irmã e a encontrei dentro da ambulância, já acordada. Só tive tempo de deixar o carro na garagem, subir e acompanhá-la para o hospital mais próximo. Fizeram vários exames e nada detectaram de errado com ela. Os médicos deram alta. A caminho do estacionamento, ela desmaia e por fração de segundos, eu a senti como que morta, como decerto aconteceu. Outra parada cardíaca. E desta vez, a correria pelo hospital foi a mil e ela novamente internada para uma nova bateria de exames. Passou a madrugada da sexta por lá e eu voltei pela manhã para vê-la. Monitorada, a respiração não estava bem. Pediu-me para ir ao banheiro e lá, novamente, em meus braços, eu a perdi. Voltou, mas não por muito tempo, pois na madrugada do sábado, cerrou os olhos e o sofrimento para sempre.
Tudo foi tão rápido que nunca tive tempo de me despedir. Li com um grito, o atestado de óbito e o resultado da Autópsia: Morrera de embolia pulmonar. Ficaram em mim as gargalhadas, as alegrias, as poucas viagens, nossas conversas, nossos desejos trocados. Meu sonho profético se concretizou. Quase nada me lembro daquele triste velório. A não ser o quanto a esposa do meu sobrinho passou mal e vomitou. Era o cheiro, diziam.
Dias depois recebi um telefonema: O ultrassom confirmou: Minha irmã seria vovó pela primeira vez! Gargalhei gargalos de alegria, porque tinha certeza de que ela já sabia.

Liz Rabello

domingo, 20 de agosto de 2017

MINICONTO INSPIRADO NA OBRA DE CHICO BUARQUE


A BANDA PASSOU

A moça ficou.  Nem estrela brilhou. Uma tarde já idosa, surda, cega, sentiu o roçar de uma mão. Era João, pedindo esmola. Não só ganhou a coroa, como a cara e o coração. Naquele outono, na janela entre aberta, a cortina se fechou.

Liz Rabello
( DES) ESPERANÇA

Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
Perdendo direitos conquistados
Voltando à fome, à dor do jejum a esperar
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Por ver a face maligna da Direita torta
Enriquecendo os bolsos com impostos sonegados
Vociferando contra quem pensa no trabalhador
E vomitando migalhas de pão em ódio inflado
De lágrimas de hipocrisia
Nas doações do Criança Esperança

Liz Rabello

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

"- Para onde vão os trens, meu pai? 
- Para todos os lugares, mas ainda que se mova o trem, 
tu não te moves de ti."
Hilda Hilst


A poesia corta asas da mentira
Incendeia a fogueira em cinzas
Lança um turbilhão de polêmicas
Tempestades de ideias
Desafina as notas musicais do violão
Constrange a realidade
E a recria!

Liz Rabello

segunda-feira, 14 de agosto de 2017


BORRÕES DE AMOR

Por trás dos montes nuvens se agitam
Compõem desenhos de cor em degradê
Mágicas canções em notas multicores
formam-se agitadas ondas em nuances

Antes da lua prateada sondar a escuridão
O sol nos leva para outras dimensões
Uma tempestade de cores se forma no horizonte
Aos nossos olhos autênticos borrões de amor!

Liz Rabello

Paraty, Rio de Janeiro, um lugar onde a História parou.
(Foto de Lili Guitti)

sexta-feira, 11 de agosto de 2017


Sei que foi apenas um sonho
Nitidamente eu vi as suas mãos
Fechadas como em pose de oração
Você abriu suavemente os dedos
E das palmas abertas voou a linda borboleta
E como mágica eram várias
Azuis, translúcidas, serenas
Voando sem pouso em liberdade

Liz Rabello

quinta-feira, 10 de agosto de 2017


Das janelas do meu livro
Voam palavras
Frases belas
Livres celas
Para o céu do infinito

Liz Rabello