domingo, 26 de julho de 2015




Antigamente molhava as plantas e lavava o quintal todos os dias. Tinha um visitante João de Barro, que vinha banhar-se logo após as poças d'água se formarem... Nunca mais o vi, após parar com estes gastos excepcionais e fazer a minha parte na economia do gasto do puro ouro azul, tão em falta aqui em São Paulo. Hoje, vencida pelo barro que se formou com a pouca chuva de ontem, lavei o caminho até os fundos e meu visitante veio me agradecer. Trouxe os amigos... Foi uma festa! Sinfonia de cordas musicais dos meus amigos leais!

Liz Rabello


quinta-feira, 16 de julho de 2015

O RESGATE


Sou a filhinha do meio de um casal de vira-latas. A terceira de uma lista de cinco. De mamãe herdei apenas as orelhas em pé e muito aguçadas, atentas a qualquer barulhinho que a mim se apresentasse.


De papai me veio tudo, o olhar carinhoso, bondoso, confiante, o porte capa preta, o corpo alongado. 


Meus primeiros dias de vida foram mágicos, uma família linda. Éramos cinco irmãozinhos a nos empurrar mutuamente para mamar. Mamãe deitava-se de lado e nós devorávamos o nosso leite com fome de quem nunca se alimentou.

Um belo dia, um homem chegou, pulávamos em seus pés enquanto nos lambuzávamos de nossos próprios excrementos.  Atrás dele, outros dois. Fomos para o colo deles sem o menor medo, já que até então, a vida era um mar de rosas.  Vi meus três irmãos serem levados numa caixa de madeira e tristes partiram para nunca mais nos encontrarmos. Fiz carinha de “santo” porque também desejei ir com eles, sem saber ao certo para onde iriam.


Sozinhas eu e Tequila brincávamos o dia inteiro, só parando pra mamar. Eram rasgos de revistas, bagunça com fitas e novelos de lãs da vovó, que com muita paciência vinha nos desenrolar. Verdade que pegava o chinelo, mas como nunca bateu, não sabia o que era dor.


Fazia carinha de sonsa, sapeca, hipócrita peralta e ela me pegava no colo. E ela me enchia de afagos.


Nesta altura já sabíamos o que era luxo, porque já entrávamos na sala e fazíamos das nossas no tapete da vovó.  Pegávamos chinelos, rolávamos pertences, rompíamos almofadas, fazíamos  a maior bagunça e tudo ficava em desordem, só eu e Tequila felizes.

Uma tarde ouvimos barulhos. Gritos fortes, choro ardido.  Vovó caiu da escada e chorava de dor.  Desapareceu daquela casa. Acho que nunca mais andou.  Passos malvados numa rouca voz denunciavam:  Tequila e eu éramos culpados daquela situação.

Arrancados do aconchego do lar, fomos levados a um lugar sinistro, onde só tinha cães. É bem verdade que nos alimentavam. Banhos e cuidados medicinais é o que não faltavam. Vacinas e pouco carinho, porque ninguém tinha tempo pra nós.  Um belo dia chegou uma moça e se apaixonou por Tequila e a pegou no colo e a levou embora. Só ouvi a palavra Rio. E depois “adoção”.


Muitos outros foram chegando e os mais espertos foram indo embora... 


E só eu é que fui ficando...


Um belo dia, ao ver uma fresta de porta entreaberta, passei desapercebida por ela. Fugi. E daí começou minha loucura.  Sem lugar para dormir, fome e sede a me sucumbir.  Nem me lembro de como sobrevivi. Só sei que aprendi a fugir da vassoura, porque muitas pauladas levei.  Só sei que aprendi a fugir dos cachorros, pois queriam me morder. Só sei que aprendi a mexer numa lata de lixo e vira lata realmente me tornei. Só sei que aprendi a fugir do homem de boné, pois um deles muito me bateu. Só sei que aprendi a detestar motoqueiros desde que um deles muitos pontapés me deu. Só sei que aprendi a correr com os carros, porque na Marginal Tietê eu cheguei. Só sei que aprendi  a ficar sem água, porque o cheiro de podre não me fazia bem. Dias e noites assim. Minhas forças já me faltavam. Exaurida parei  num posto de gasolina, sem esperanças, uma tristeza infinita no olhar. Ele me viu... Ou fui eu que o escolhi para amar? Era um anjo.  Olhou-me nos olhos e imediatamente percebi o rosto da bondade e asas de bem me quer.  Sua amiga denunciou: “Esta cadelinha está com sede”. E muita água potável me saciou. Chamou-me de Vareta e o nome ficou, tão magrinha e desnutrida, que mais parecia uma vara a se quebrar. Quando abriu a porta do carro e me convidou para entrar, percebi que minha infernal  peregrinação estava por um fio. Portas do paraíso se abriram e começou então um amor sem fim!


Hoje sou uma princesa e musa de um livro que escreveram pra mim, faço poses e lambidas de agradecimentos sem fim.  Estou nas redes sociais e muito sucesso eu já fiz. Até encontrei minha irmãzinha, que vive feliz lá no Rio, porque foi amada, tanto como eu adotada.


Liz Rabello

sábado, 4 de julho de 2015

VAMOS CONHECER FRANS KRAJCBERG?


"O artista sem fronteira, para nosso orgulho, vive aqui", diz a placa de boas-vindas na entrada de Nova Viçosa, no extremo sul da Bahia. A pequena cidade foi eleita pelas baleias-jubarte como o destino anual de inverno e também por Frans Krajcberg como sua casa definitiva. Mas, quando se convive um pouco mais de perto com esse escultor e poeta da natureza, fica estranho imaginar que alguém tão livre tenha um CEP. "Sou um homem do mundo. Nasci e tenho o direito de viver nele", afirma Krajcberg, que cresceu na Polônia, perdeu a família na guerra e chegou aqui aos 27 anos, sozinho e com medo das pessoas. "Na Hungria, vi uma montanha de lixo num campo de concentração. Cheguei mais perto e eram corpos empilhados." Tamanho horror explica sua felicidade quando conheceu a natureza brasileira. "Ela me salvou. Sorria para mim e nunca perguntava de onde eu vinha ou que religião tinha. Foi quando descobri a vida." Hoje, Krajcberg mora num resquício de mata Atlântica com o mar no quintal e faz da sua arte um grito de revolta.



"Krajcberg ganhou projeção internacional com suas esculturas de madeira calcinadas nos anos 1970. Seu trabalho tem uma dimensão ética que vai além da arte: está ligado ao mundo sem ser panfletário e literal"

(Agnaldo Farias, crítico de arte)


Krajcberg vive a 7 m do chão, numa casa construída na árvore. Mas houve um tempo em que se escondeu nas montanhas. "Eu o conheci no interior de Minas, nos anos 1960. Ele morava em uma caverna no pico de Cata Branca, região de mineração em Itabirito, atéhoje apelidada de Barbudo das Pedras", conta Zé do Mato, que se tornou ajudante do tal Barbudo das Pedras. O artista vivia sem conforto, a barba por fazer, tomava banho no rio e trabalhava sem parar. Até hoje companheiro da solidão, o escultor inventou um jeito próprio de morar. "O melhor dia para mim é domingo. Me sinto bem sozinho", diz. Em sua casa monástica, apenas algumas cadeiras, uma cama estreita, poucas roupas e cinco malas empilhadas pois é, atéum homem livre precisa delas. O único luxo éa coleção de conchas, pedras, galhos secos e sementes. Boa parte dela recolhida no Sítio Natura, onde chegou em 1972, a convite do amigo e arquiteto Zanine Caldas, que o ajudou a conceber a casa da árvore. "Ele sonhava em transformar Nova Viçosa numa capital cultural", lembra. A utopia de Zanine chegou a reunir nomes como Chico Buarque, Oscar Niemeyer e Dorival Caymmi. Só Krajcberg ficou.
"Ele éum artista único e radical, que suscita reflexões e diálogos. Ano passado, estivemos juntos em sua exposição no Parque Bagatelle, em Paris, e fiquei impressionado com a reação visceral das pessoas"



A despeito da recomendação médica, Krajcberg quase nunca lembra de beber água. Quem o vê andando firme, gesticulando e dando ordens a seus 12 ajudantes, não imagina que esse senhor de 85 anos tenha passado recentemente pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Recuperado de uma infecção rara, ele parece ter mais pressa do que nunca - a mesma dos que defendem uma causa urgente. "A situação do planeta égrave. A natureza évingativa e nós a machucamos demais. Não podemos continuar passivos", brada. Ao transformar troncos e galhos calcinados em esculturas, Krajcberg protesta diante do que chama de barbárie do homem contra o homem e do homem contra a natureza. "Quero que minhas obras sejam um reflexo das queimadas. Por isso, uso as mesmas cores: vermelho e preto, fogo e morte." Entre os amigos queridos que são, na verdade, sua família está o cineasta Walter Salles. "Costumo brincar que Krajcberg é meu irmão mais novo e mais radical", diz. Os dois se conheceram em 1987, quando Salles filmou o documentário Krajcberg, o Poeta dos Vestígios. "Fazemos aniversário no mesmo dia, 12 de abril, e costumamos comemorar juntos." "Sou um homem revoltado." A frase recorrente de Krajcberg lhe rendeu a fama de brigão. Já denunciou as queimadas no Paraná, a exploração dos minérios em Minas Gerais e o desmatamento na Amazônia. Também defendeu as tartarugas de Nova Viçosa e se postou na frente de um trator para evitar a construção de uma avenida na cidade. Apesar dessas e de outras histórias de indignação, o escultor também pode ser muito engraçado. Inventa apelidos para as pessoas, diz bom-dia para árvores e dança quando ouve o toque alegre do seu celular. "Adoro seu humor. Acho extraordinário que, depois de tudo o que viveu, ainda mantenha um sorriso tão sincero", observa Walter Salles. Contradições como essas fazem do escultor um artista contundente. "Ele está inserido na história da arte há muito tempo. Começou como um artista abstrato nos anos 1950 e migrou para a escultura", resume o crítico Agnaldo Farias. Hoje, o que ele adora mesmo éfotografar. Acorda cedo e sai registrando flores. Nesses momentos, fala da importância de aproveitar o instante e saber olhar para as coisas. "Um dia nunca é igual ao outro." Não mesmo no mundo de Krajcberg.

                                                            (Walter Salles, cineasta)





"Tinha 17 anos quando conheci o Frans e comecei a trabalhar como seu ajudante. Ele morava numa caverna, pois queria fugir dos homens. Parecia um animal machucado. Ali, ele fez as primeiras gravuras na pedra e esculturas"


(Zé do Mato, montador de exposições)

sábado, 27 de junho de 2015


SE ESCOLHESSE O AZUL PARA PINTAR UMA TELA AINDA HOJE,
 ESTE SERIA O TOM...   VESTIDA DE AZUL...


Vou me vestir de azul
pra teus olhos iluminar
Para meu planeta
Encantar
Soltar a voz
cantar
Esperança
no olhar
voar!

Liz Rabello

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A POESIA SALVA



Tenho uma sala de aula muito difícil. Outro dia já não sabia mais como tentar chamar a atenção deles para mim. Queria explicar as figuras de linguagem. Parei, pensei. Tenho que fazer algo diferente e fiz. Fechei os olhos e comecei bem alto a declamar uma poesia: "O Velho Professor"... Foi a primeira vez que o fiz sem ter o texto suporte nas mãos... Consegui ir até o fim, sem bloquear e mais: Somente duas meninas é que pararam de brincar com o celular, assustadas quando todos batiam palmas pra mim. Atenção voltada para meu talento, consegui explicar a matéria nova... A poesia me salvou!

 Liz Rabello



terça-feira, 16 de junho de 2015

NOVOS LANÇAMENTOS DE LUA NO CHÃO



http://www.livrariacortez.com.br/index.cfm?i=1&pag=evento_293

segunda-feira, 1 de junho de 2015


ESQUECIDOS NO AEROPORTO DE PASSO FUNDO


Nosso voo de ida para Cruz Alta atrasou em Guarulhos, cerca de duas horas. Um imprevisto mal explicado, que gerou nossa chegada a Passo Fundo de tardezinha. Ficamos sem condução para Cruz Alta e os taxistas não queriam levar cinco pessoas. Resultado: Esperamos por mais de uma hora a chegada de uma Van. Outras consequências: Selamos um elo forte entre nós. Vimos um pôr do sol espetacular em céus gaúchos e fizemos amizade com um cãozinho tão abandonado quanto nós. Minha amiga Jussara Gabin me puxava de um lado e Betta Fernandes de outro. Eu mais parecia elástico esticado para entrar no táxi, que só levava quatro. Até que nossa loirinha foi literalmente expulsa do tal e meu elástico quebrou. As duas se uniram e eu feliz de lado vendo e sentindo que o melhor do encontro foi a união.






segunda-feira, 25 de maio de 2015



VESTIDO VERMELHO
Em nosso colo a sonhar

Com amores colorir
De vermelho paixão
Corações a tingir
Ilusões especiais
De rasgos de amor sorrir


Eis que a turba panelaço
Violenta sem igual
Pobre viralatinha manca
De preconceitos e tabus
Querem-na fora da elite
Por vestido vermelho vestir


Mas Vareta é de paz
Não permite a ninguém mentir
Mora lá no décimo terceiro andar
E se comporta como a Lady Blue
Respeita o sinal vermelho
E quer bem a todos os pedigrees


Vareta é mais racional
do que o humano animal
Que bate panela sem ter o que pedir
Carioca da gema zona sul no Leblon
Ou o dono do apê luxuoso dos jardins
Late zangada quando a paz é cortada

Afinal é uma viralatinha feliz!
Liz Rabello



Quando a gente se separa
Fica uma fissura
pequena fresta
Onde passam todas as agulhas
Onde vertem todos os desejos
Onde dormem todas as saudades
Onde jorram lágrimas salgadas
Corte e costura de minhas desilusões
Artesanato pueril de ilusões.

Liz Rabello

domingo, 24 de maio de 2015



APRESENTAÇÃO DO MEU NOVO LIVRO "LUA NO CHÃO" PARA OS AMIGOS EM SOROCABA, NO CANTINHO GIRASSOL




terça-feira, 19 de maio de 2015


"PERDOAR SEMPRE MESMO QUANDO DE REPENTE PERCEBEMOS QUE O PERDOADO NÃO SE JULGA CULPADO E QUE NÃO O PERDOA PELO MAL QUE NUNCA FEZ"
Liz Rabello

quarta-feira, 13 de maio de 2015


SARAU DA RESISTÊNCIA... 
CANTINHO DO GIRASSOL
MEMÓRIAS NEGRAS... NEGRAS MEMÓRIAS
LEMBRAR PARA NÃO REPETIR


13 DE MAIO DE 1888  DIA DE LIBERDADE??????

ÀS MINHAS CUSTAS
Tudo que sei do número treze
É que é o grupo do galo
É que é o dia do azar.
Tudo que sei de liberdade
É continuar escapando
Da penitenciária
Pois não existem quilombos
Para me guardar
Éle Semog

ERRO DE PORTUGUÊS
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido o português.

Oswald de Andrade


MÃE PRETA
Raul Bopp

- Mãe preta, conta uma história!
- Então, feche os olhos, filhinho:
Longe, muito longe era uma vez o Rio Congo...
Por toda parte o mato grande
Muito sol batia o chão... Depois...
Os olhos da preta pararam
Acordaram-se as vozes do sangue
Glu-glus de água engasgada
Naquele dia do nunca mais
Era uma praia vazia com riscos brancos de areia
E batelões carregando escravos... Depois...

Ué, mãezinha, por que você não conta o resto da história?

NOSSA HISTÓRIA É ASSIM:
- Vamos pras Índias!
Dias e dias os horizontes se repetem...
Velas baixaram. E desembarcaram
O sol do lado de fora assistiu missa
Terra em que Deus anda de pés no chão!
Outros chegaram
- Queremos ouro!
Começou daí um Brasil-sem-história-certa.
A terra acordou-se com o alarido de caça de animais e de homens!
Mato-grande fou cúmplice nas novas plantações de sangue
Mulher foi espremer filho no escondido.


O sol espalhou verão nos canaviais das fazendas
O mato escondeu escravos
Com inscrições de chicote no lombo...

E veio o negro
Trouxe o sol na pele
E uma alma de nunca-mais
Carregada de vozes
Foi desbeiçar terra
Alargaram-se as lavouras
Brasil encheu-se de queixas de monjolo

Bandeiras passaram
Nem deixaram rasto
Outras cansaram
Não continuaram
A água do rio engasgou
Secou
Índio com alma hipotecada à floresta
Fugiu por caminhos escondidos
Negro ficou para trás
Apalpou a terra
 o sol foi trabalhar nas lavouras
o ouro cresceu pelos campos de milho África Brasil!

E foram chegando soldados e frades
Trouxeram as leis e os dez mandamentos


SENHOR DEUS DOS DESGRAÇADOS!
DIZEI-ME VÓS, SENHOR DEUS!
SE É LOUCURA, SE É VERDADE

Depois vieram as mulheres do próximo
Imigrantes com alma a retalho
Brasil subiu até o décimo andar
Litoral riu com os motores
Subúrbio confraternizou com a cidade
Negro coçou piano e fez música...